Presidente do Boca Juniors por mais de uma década, entre 1995 e 2007, o presidente da Argentina, Mauricio Macri, resolveu intervir na tumultuada eleição para a presidência da Associação de Futebol Argentino (AFA), adiando o pleito, que deveria acontecer em 30 de junho, para daqui a 90 dias úteis (6 de outubro). O prazo pode ser prorrogado por mais 90 (15 de fevereiro de 2017).
Macri estava numa “sinuca de bico”. A juíza federal María Servini de Cubría, que investiga o financiamento do Fútbol Para Todos, programa estatal do governo Cristina Kirchner, havia solicitado que o governo interviesse na AFA para evitar uma crise financeira e institucional ainda maior.
Ao mesmo tempo, o presidente sabe que a Fifa não admite interferência de governos na gestão das federações nacionais de futebol. O próprio Macri teria conversado com o presidente da Fifa, Gianni Infantino, por videoconferência, para entender as consequências da ação. Antes, o atual responsável pelo Fútbol Para Todos, Fernando Marín, viajou a Zurique para falar pessoalmente com Infantino.
Após essas conversas, a decisão política foi a Inspeção Geral de Justiça (IGJ) suspender as eleições e nomear dois “supervisores” para acompanhar o trabalho da AFA por 90 dias, prorrogáveis até fevereiro. Foram nomeados o advogado Luis Tozzo e a contadora Catalina Dembitsky, que farão uma auditoria.
A pedido da juíza, desde junho três inspetores federais acompanham o fluxo do dinheiro provido pelo governo federal por meio do Fútbol Para Todos. Esses inspetores, ao longo do último ano, encontraram uma série de irregularidades, o que teria feito Cúbria pedir pela intervenção política. O argumento oficial é o seguinte: “Irregularidades administrativas e econômicas”.
Os dirigentes da AFA não aceitaram nada bem a interferência e, já na noite de segunda-feira, enviaram carta à Fifa e à Conmebol informando do ocorrido. Para esta terça-feira está marcada uma reunião do Comitê Executivo da entidade argentina e a expectativa é a de que se discuta a saída da seleção de Messi da Copa América Centenário e do Boca Juniors da Copa Libertadores em forma de protesto.
“Entendemos que esta medida interrompe um processo eleitoral e vamos avisar a Conmebol e a Fifa para que se manifestem com relação à aceitação pelo seus estatutos. Amanhã (terça), o Comitê Executivo decidirá sobre a seleção, se vai pedir que volte (dos Estados Unidos)”, disse Damián Dupiellet, secretário-executivo da AFA, em entrevista à radio La Red. “Vamos esgotar todas as medidas administrativas. Se não tivermos respostas, vamos à via judicial”, afirmou ele ao jornal Clarín.
A decisão do governo Macri tem um forte viés político, também. Só há dois candidatos oficiais à presidência da AFA: o azarão Claudio Tapia, presidente de pequeno Barracas Central e segundo vice-presidente da entidade, e o favorito Hugo Moyano, presidente do Independiente e poderoso líder do sindicato dos caminhoneiros. Moyano foi forte aliado do kirchnerismo, mas rompeu com a ex-presidente Cristina Kirchner em 2012. Ainda assim, não é visto com bons olhos por Macri.
ELEIÇÃO POLÊMICA – Em dezembro, a primeira eleição direta para presidente da AFA, em uma votação entre dirigentes de 75 clubes, foi marcada por um resultado inusitado: 76 votos e empate entre os dois candidatos. Cada concorrente teve 38 votos porque um dos eleitores incluiu duas cédulas no envelope, o que não foi detectado na apuração.
Competiam pela presidência da AFA Luis Segura, que está no cargo de maneira interina desde a morte de Julio Grondona, que ocupou o posto por 35 anos sem oposição interna. Seu adversário era Marcelo Tinelli, apresentador de televisão mais famoso do país e cartola do San Lorenzo. O resultado indica que um dos candidatos teria vencido por apenas um voto, não fosse a irregularidade. Os dois já desistiram do pleito.
Desde então, fortaleceu-se um movimento com principais clubes da Argentina, encabeçados pelos gigantes Boca Juniors e River Plate, que desejam criar uma nova liga nacional, que lhes gere maiores receitas e que seja independente da AFA. San Lorenzo e Racing também formam o “núcleo duro” da Superliga, que, dentre os grandes, só não conta com o Independiente. Esses clubes estão alinhados com Macri, que fez Daniel Angelici seu sucessor no comando do Boca.