Após assumir seu terceiro mandato na Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, seu partido e aliados acentuaram críticas e fizeram novas investidas para rever acordos, medidas e até legislação que tenha sido aprovada na esteira da Operação Lava Jato. No campo da narrativa, o presidente e correligionários entoam o discurso de que as investigações, embora recheadas de confissões e recuperação de ativos bilionários no exterior, não passaram de uma "farsa" ou até "armação" de países estrangeiros. No campo da política e da Justiça, Lula e governistas investem contra a lei das estatais, governança na Petrobras e até mesmo contra acordos de leniência de empreiteiras investigadas.
Lula chegou a acumular duas condenações e foi preso para cumprimento de pena em uma delas na Lava Jato, sob a acusação de recebimento de propinas. Em 2021, viu estas investigações serem anuladas pelo Supremo Tribunal Federal em razão da incompetência de Sérgio Moro para julgar o caso, e também da quebra da imparcialidade do juiz.
Como mostrou o <b>Estadão</b>, mesmo procuradores que apoiaram a operação e participaram de investigações sobre o petista e outros alvos fazem um movimento de autocrítica sobre excessos cometidos nos últimos anos. Ex-procuradora-geral da República, Raquel Dodge defende que não se possa "cometer erros contra os indivíduos, que são os acusados no processo penal". "Se as instituições apostarem nisso, a gente avança bastante, fazendo a lei penal valer para todos e também dando um provimento jurisdicional célere que evite a prescrição", diz.
Especialistas em Direito e Compliance, todavia, afirmam que parte desta herança da Lava Jato representou avanços para prevenir novos escândalos de corrupção, e que elas não fazem parte de um cenário de eventuais erros da operação. Professor da USP, Conrado Hubner afirma que "à sombra da Lava Jato – que já foi destruída – está sendo profundamente funcional para desmontar, e desinstitucionalizar sistemas de controle na democracia brasileira". "Querem transformar todos os debates no sistema de Justiça em um debate entre o lava-jatismo e o anti-lava-jatismo, quando tanto um quanto o outro viraram faces de uma mesma moeda. O anti lava-jatismo virou um lava-jatismo com sinal trocado. Um debate sectário".
O PT busca emplacar a narrativa calcada na negação de corrupção em seus governos. Em uma resolução do partido que teve o aval de Lula, a legenda publicou que "falsas denúncias foram engendradas" contra governos petistas, o partido e suas lideranças, desde o primeiro mandato, a partir de 2003.
Segundo a legenda, essas denúncias "mostram que está mais do que claro que a criminalização da política e a destruição da democracia constituem um mesmo projeto". Já Lula afirmou, em entrevista ao site Brasil 247, que a Lava Jato "fazia parte de uma mancomunação entre o Ministério Público brasileiro, a Polícia Federal brasileira e a Justiça americana, o Departamento de Justiça".
De fato, métodos de cooperações internacionais relacionadas à Lava Jato foram questionados no STF, e chegaram a ter endosso em decisões de ministros, mas em nenhum momento ficou comprovado que a operação era, desde o início, fruto de uma "mancomunação" com países estrangeiros. Os próprios processos contra Lula resultaram na condenação quando debatidos em seu mérito. No Supremo, o petista obteve a anulação dos processos. A parcialidade do juízo reconhecida pela Corte não é uma questão de mérito, mas representa nulidade grave, capaz de fazer com que provas sejam consideradas imprestáveis pelo Judiciário. Foi sob este argumento, por exemplo, que a juíza Pollyanna Kelly, de Brasília, rejeitou reabrir a denúncia no caso do sítio de Atibaia, que havia levado a uma das condenações de Lula.
No entanto, negar que os esquemas tenham existido não encontra respaldo nos autos de qualquer processo, mesmo no Supremo. No mensalão, 24 agentes partidários e operadores foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal. Nada foi anulado. Já a operação Lava Jato recuperou mais de R$ 6 bilhões aos cofres da Petrobras, fruto de confissões e cooperações internacionais que encontraram propinas no exterior. Empresas, empresários, doleiros e políticos confessaram corrupção e, até hoje, reafirmam esta versão em depoimentos, mesmo após a anulação de diversas ações pelo STF.
<b>Petrobras</b>
Em outra frente, petistas têm investido em arcabouços legais considerados alinhados a uma herança da Lava Jato. Como mostrou a <i>Coluna do Estadão</i>, a diretoria de governança da Petrobras, criada durante o governo Dilma Rousseff (PT) em 2014, está na mira do ex-senador e hoje presidente da estatal Jean Paul Prates (PT). Ele considera que o órgão não passa de um entulho autoritário da Lava Jato, e engessa a administração da estatal. Prates cogita rebaixá-la ao status de cargo executivo vinculado à área jurídica ou ao CA. Ele considera que há, hoje, poderes excessivos na diretoria responsável por prevenir casos de corrupção e outras inconformidades.
Ex-diretor de governança da Petrobras, Marcelo Zenkner explica que ao cargo "cabe, atualmente, analisar e emitir avaliação prévia acerca da "conformidade processual" de cada pauta que é levada à diretoria executiva da Petrobras". "Detectada alguma falha, a pauta é corrigida antecipadamente ou, então, nem é enviada para deliberação dos demais diretores executivos. Se houver um rebaixamento, esse importantíssimo mecanismo de prevenção a fraudes e a desvios deixará de existir e a empresa ficará muito mais vulnerável a novos escândalos de corrupção".
"Não há nenhum motivo para mudar aquilo que está dando muito certo. Até agora não vi ninguém dizer qual é o problema identificado para justificar uma mudança. Vale lembrar que essa estrutura segue as melhores práticas internacionais e foram, inclusive, validadas pelo DoJ (Departamento de Justiça dos EUA). Qualquer mudança será interpretada pelo mercado e pelos investidores como uma tentativa de enfraquecimento do sistema de integridade corporativa, o qual é o responsável pela prevenção à fraude, à corrupção e à lavagem de dinheiro", afirma Zenkner.
<b>Lei das Estatais</b>
Em outra investida, a AGU sob o governo Lula pediu ao Supremo Tribunal Federal para que revogasse trechos da lei de estatais que preveem quarentena para políticos e agentes de campanhas eleitorais assumirem cargos de direção em estatais. Também no Supremo, três partidos aliados de Lula, o Solidariedade, o PCdoB e o PSOL, pediram a suspensão de todos os pagamentos de acordos de leniência no País feitos até agosto de 2020, o que abarca todo o clube VIP de empreiteiras e a J&F. Eles afirmam haver ilegalidades na costura destes acordos. Entre os signatários, está a ministra da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos. Ela afirma ao Estadão que "é uma decisão partidária, que parte da compreensão de que é preciso preservar as empresas nacionais como elementos decisivos para impulsionar a economia do país".
Luciana Casasanta, ex-diretora de conformidade da Eletrobras, afirma que a Lei das Estatais "fortaleceu a relação das empresas com o núcleo político e estabeleceu limites para evitar que situações que já haviam deflagradas não voltassem a acontecer". Ela afirma que, a despeito de negacionismo do governo Jair Bolsonaro, o "negacionismo do PT na questão da corrupção é uma coisa impressionante". "Não se pode destruir aquilo que é realmente a sustentação da Lei das Estatais".
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>