O governo quer criar um benefício especial para órfãos da covid-19 dentro da reformulação do programa Bolsa Família. O valor em estudo está entre R$ 240 e R$ 250 por mês por criança e adolescente, segundo simulações feitas pelo Ministério da Cidadania.
O benefício seria dado automaticamente para crianças e adolescentes de famílias incluídas no programa de transferência de renda em que um responsável familiar, cônjuge ou adulto tenha falecido em decorrência da covid-19 desde o início da pandemia. O benefício será pago até os 18 anos.
O Brasil se aproxima de 500 mil vítimas da covid-19, e o próprio governo é alvo de uma CPI no Senado, que investiga se houve negligência por parte de autoridades federais no trato da pandemia. Dependendo do relatório final, o presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Saúde Eduardo Panzuello podem ser responsabilizados.
O governo estima gastar R$ 196,2 milhões em 2022 para ajudar 68 mil crianças e adolescentes de 35 mil famílias que, neste momento, se enquadram nesses critérios. O martelo final das regras do programa ainda não foi batido por Bolsonaro.
A identificação será feita por meio do Cadastro Único de programas sociais, um instrumento de coleta de informações para identificar todas as famílias de baixa renda existentes no País para fins de inclusão nos programas de assistência social e redistribuição de renda. Com essas informações, seriam feitos cruzamentos em base de dados adicionais, como as da DataPrev, para identificar os futuros beneficiários.
A ideia é que esse benefício não seja contabilizado na renda do Cadastro Único para o acesso aos programas sociais – ou seja, o valor não seria incluído para o cálculo da renda familiar. O município faria o acompanhamento da nova família da criança.
<b>Detalhamento</b>
Para o consultor do Congresso Pedro Fernando Nery, o valor em discussão, entre R$ 240 e R$ 250, é certamente um grande avanço em relação ao nível do Bolsa Família, cujo benefício médio está em torno de R$ 190. "Fica a dúvida sobre quem terá direito e qual será o limite por família. Porque, se for R$ 250, mas só puder receber quem for muito pobre, seria problemático", diz.
Nery ressalta a necessidade de que o governo garanta que o benefício possa ser acumulado dentro da mesma família. Assim, o valor por pessoa se aproximaria da quantia recebida por famílias pobres em que o falecido era empregado formal, deixando pensão de um salário mínimo no INSS.
Em artigo recente publicado no <b>Estadão</b> sobre o tema, Nery chamou atenção para o problema dos órfãos da covid-19. Por diversas razões, a pandemia vitima mais pessoas mais pobres. E suas famílias podem não contar com uma rede de proteção que foi a base de onde se expandiram os Estados modernos: a pensão por morte. Para deixar pensão, é preciso contribuir para o sistema previdenciário, destacou o pesquisador. Empregados com carteira podem deixar o benefício da pensão, mas desempregados ou empregados informais não, mesmo que suas famílias fiquem mais vulneráveis à miséria.
"Esse não seria um problema tão grave se houvesse algum benefício infantil robusto no País, como existem em muitos países desenvolvidos. No Bolsa Família, as crianças órfãs teriam direito somente a R$ 41 por mês cada, e apenas se a renda familiar fosse muito baixa", ressalta.
Nery alerta que, segundo a Fiocruz, foi na faixa etária entre 20 e 29 anos que os óbitos mais aumentaram entre o início do ano e o auge da segunda onda da doença. O crescimento foi de mais de 1.000% no período. A partir do momento em que mais jovens passam a morrer vítimas da pandemia, deve haver um aumento também do número de crianças que perdem o pai ou a mãe.
Para a diretora institucional da Rede Brasileira de Renda Básica, Paola Carvalho, o benefício emergencial já deveria ter sido estendido às famílias que perderam membros que as mantinham economicamente. "Nós reafirmamos isso ao governo, pois, se chegamos a quase 500 mil mortes, precisamos olhar com muito cuidado para a proteção social dessas famílias, em particular através da assistência social, com a finalidade de proteger de forma regular e contínua os mais vulneráveis."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>