Depois de semanas de expectativa, o governo publicou nesta quarta-feira, 2, uma nova medida provisória para o setor elétrico. Dessa vez, um dos principais objetivos é reduzir o impacto dos reajustes tarifários para Estados das regiões Norte e Nordeste, onde atuavam ex-distribuidoras da Eletrobrás que foram privatizadas em 2018.
O texto da Medida Provisória 998/2020, no entanto, é muito mais amplo e contém 18 páginas que tratam de temas caros ao governo, que vão do fim do subsídios para fontes alternativas (eólica e solar) a condições para viabilizar a retomada da usina nuclear de Angra 3.
Dado que o histórico recente da tramitação de medidas provisórias e projetos de lei enviados pelo governo ao Congresso não é favorável, fica claro que, dessa vez, o governo está apostando alto. Nos últimos quatro anos, todas as MPs e projetos caducaram (perderam a validade) ou foram rejeitados.
O cenário começou a mudar ontem, quando a Câmara aprovou o novo marco do gás natural e rejeitou todos os destaques que modificavam o texto que, agora, segue para o Senado. Há que se ressaltar, porém, que o novo marco do gás é um projeto de iniciativa do Congresso, ainda que aderente aos planos do governo para o setor.
Ao sinalizar redução nas tarifas dos consumidores do Norte, o governo faz um aceno claro pela aprovação da proposta, diante da força política da bancada de senadores da região.
Depois de socorrer as distribuidoras com um empréstimo bilionário de quase R$ 15 bilhões, cujos custos serão suportados por consumidores e empresas, o governo propôs uma compensação.
A MP estabelece que a verba já paga e não utilizada em projetos de Pesquisa & Desenvolvimento e Eficiência Energética seja direcionada para abater parte dos custos da conta-Covid.
O Ministério de Minas e Energia (MME) estima que há R$ 3,4 bilhões represados no caixa das empresas. Além disso, 70% da verba futura anual destinada a esses programas também vai ajudar a custear o socorro até 2025, um valor que pode atingir R$ 4,305 bilhões.
Fontes alternativas
Uma outra proposta da MP pretende estancar o crescimento dos subsídios para fontes alternativas, um tema sensível no setor elétrico. Para se ter uma ideia, os subsídios para geradores e consumidores de fontes incentivadas avançaram de R$ 900 milhões em 2013 para R$ 3,5 bilhões em 2019. A estimativa para este ano é ainda maior: R$ 5 bilhões.
Hoje, o gerador de energia elétrica a partir de fontes alternativas e seus consumidores livres têm direito a pagar 50% menos nas tarifas de uso das redes de transmissão e distribuição.
O subsídio foi concedido por lei, em 2004, para viabilizar as fontes renováveis, que eram mais caras e não conseguiam competir com outras. Com o desconto, o preço da energia ficava atrativo para compradores. Mas, ao longo dos anos, essas fontes ganharam escala, e a avaliação do governo é a de que elas não precisam mais desse subsídio.
Apesar do discurso do governo, ainda haverá uma última chance de enquadramento para "retardatários". A proposta é manter o desconto na tarifa de uso para novas usinas de fonte incentivada que solicitem outorga em até 12 meses e que iniciam operação comercial de todas as unidades geradoras em, no máximo, 48 meses a partir da outorga.
Para tentar ganhar apoio da classe política, o governo propõe substituir os subsídios das fontes alternativas por um plano de valorização dos atributos ambientais. O prazo para implementação da proposta será de 12 meses.
Angra 3
Menina dos olhos do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, a usina nuclear de Angra 3 também recebe tratamento especial na MP. Com obras paradas desde 2015 devido a denúncias de corrupção, o governo quer retomar o empreendimento o mais rápido possível.
Para isso, a União estabelecerá prazo de outorga de 50 anos para a exploração de Angra 3, renováveis por mais 20 anos. A MP cria ainda marcos temporais para o empreendimento, cujo cumprimento será fiscalizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
O contratos atual de energia da usina será extinto, sem apuração dos responsáveis pelos atrasos anteriores. O novo contrato vai estabelecer um preço – calculado pelo BNDES, um dos financiadores da obra, a partir de estudos contratados pela dona, a Eletronuclear – e um reajuste nos termos da inflação e do preço do combustível nuclear, com possibilidade de revisão extraordinária do preço da energia elétrica para preservar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
A MP afirma que o preço deverá contemplar "cumulativamente, a viabilidade econômico-financeira do empreendimento e seu financiamento em condições de mercado, observados os princípios da razoabilidade e da modicidade tarifária".
Em junho, o Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) recomendou a conclusão das obras da usina nuclear de Angra 3 por meio da contratação de uma construtora, tecnicamente chamada de epecista, abandonando a alternativa do sócio privado defendida pela empresa.
Estudos do BNDES apontaram que é possível obter empréstimos bancários para financiar a continuidade das obras da usina, desde que o preço de referência da energia de Angra 3, fixado em R$ 480,00 por megawatt-hora (MWh), seja oficializado como tarifa. Superado o risco da construção, o empreendimento se tornaria um gerador de caixa de baixo risco. O custo para concluí-la foi estimado em R$ 15 bilhões, mas deverá ser recalculado.