A Polícia Civil de São Paulo interceptou ligações telefônicas que mostram o presidente da Assembleia Legislativa do Estado, deputado Carlão Pignatari (PSDB), intermediando a entrega da administração de dois hospitais para organizações sociais do grupo do médico Cleudson Garcia Montali, condenado a 200 anos de prisão por liderar uma organização criminosa envolvida no desvio de R$ 500 milhões da Saúde. Nas conversas, o médico, que hoje está preso, presta contas ao deputado de suas ações. Na época, ele já era investigado pela polícia e pelo Ministério Público Estadual.
Cleudson foi alvo da Operação Raio X, que apurou fraudes na gestão de hospitais de 27 cidades em quatro Estados – Pará, São Paulo, Paraíba e Paraná. A investigação durou dois anos antes de sua primeira fase ser deflagrada, em 2020, quando houve buscas no gabinete do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB). No começo do ano, a polícia concluiu nova fase da operação, cumprindo mandados de busca na casa do ex-governador Márcio França – pré-candidato do PSB ao Palácio dos Bandeirantes – e de outros alvos. O <i>Estadão</i> apurou que Pignatari não estava, até agora, entre os políticos investigados na operação.
O deputado participou da CPI das Organizações Sociais da Saúde, que investigou o setor e se encerrou em 17 de setembro de 2018. Era suplente, mas participava das sessões ativamente. Cleudson foi convocado e, em agosto de 2018, prestou depoimento aos parlamentares sobre investigações envolvendo a OSS Santa Casa de Birigui e sua atuação na contratação de organizações sociais por municípios paulistas. O médico negou irregularidades.
Passados oito meses do término da comissão, Pignatari foi flagrado fazendo pedidos para o homem apontado como líder do grupo criminoso que atuava no setor.
No dia 22 de maio de 2019, Cleudson telefonou para o deputado e ouviu uma solicitação. "Deixa eu te fazer um pedido, o prefeito de Santa Fé tá com um problema sério na Santa Casa dele lá. Cê não quer pedir pra alguém dá uma olhada lá e vê se põe uma OS tua pra gerenciar aquilo?" O médico, que estava com o telefone interceptado com autorização da Justiça, respondeu: "Claro, claro. Só que eu.. O senhor pode me passar o telefone?"
A conversa durou 1 minuto e 45 segundos e foi incluída no inquérito da Operação Raio X, da Delegacia Seccional de Araçatuba, que tem 6 mil páginas. Ele foi desmembrado em diversas investigações que estão em Sorocaba, Santos, Carapicuíba e São Paulo após a Justiça de Birigui recusar ter competência universal sobre os casos.
<b>SEQUÊNCIA</b>
Em 27 de maio de 2019, a Polícia Civil flagrou nova conversa sobre o caso, desta vez entre o então prefeito de Santa Fé do Sul, Ademir Maschio (DEM), e Cleudson. Na conversa, os dois tratam o deputado como "nosso amigo". Era a sequência do diálogo com o deputado. O médico perguntou se podia mandar uma equipe de "umas três, quatro pessoas para fazer um levantamentozinho para nós". O prefeito respondeu: "O dia que o senhor quiser!" Cleudson então afirma que as pessoas que forem à cidade vão dizer ao prefeito como tudo deve ser feito. "Eu chamo o provedor e a gente conversa sem problema", diz o prefeito, que conta ao médico que a cidade tem ainda uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Eles marcam o encontro na prefeitura.
Para investigadores do caso, se tivesse de conceder a administração das unidades de saúde a organizações sociais, a prefeitura deveria fazê-lo por meio de processo público aberto à concorrência de outros interessados sem acerto anterior com as partes. Segundo o Ministério Público, o grupo de Cleudson usava notas frias e desviava grande parte dos recursos repassada às organizações sociais por meio de superfaturamento de compras e de serviços não executados. Em Birigui, no processo em que Cleudson foi condenado a 104 anos de prisão, a organização criminosa teria usado a irmandade da Santa Casa para administrar o pronto-socorro da cidade, desviando verba do município.
<b>CAPITAL</b>
No dia 12 de junho de 2019, a polícia surpreendeu nova conversa entre Pignatari e Cleudson. É o presidente da Alesp quem telefona. "Cleudson, é o Carlão Pignatari, tudo bem? Deixa eu te perguntar uma coisa: Cê conhece o Hospital de Ferraz de Vasconcelos, o Regional?" Cleudson afirma que não, mas conta que a prefeitura de lá o chamou para uma conversa. Pignatari quer intermediar o contato do médico com um colega de Assembleia, um deputado da região. Ele diz a Cleudson: "Tá bom, então eu vou precisar que antes de você ir na prefeitura, você venha aqui na Assembleia, pra mim (sic) te apresentar o deputado de lá, que ele vai ser o capital seu lá."
O médico aproveita o diálogo para voltar a tratar do caso de Santa Fé do Sul e afirma que já havia falado com o então prefeito da cidade. Cleudson diz que sua conversa foi "desmarcada" por Maschio. O suposto líder da organização criminosa tenta tranquilizar o deputado. "Eu tô à sua disposição, no seu aguardo. O senhor me ligando eu tô indo aí no outro dia. Agora, eu tô aguardando ele (o prefeito) ligar, né?" E diz ao deputado que tinha todas as mensagens sobre a conversa caso fosse preciso mostrar.
Em 14 de junho, Cleudson ligou e disse a Pignatari: "Só tô lhe dando o retorno que tive ontem lá com aquele nosso amigo (o outro deputado estadual, da região de Ferraz de Vasconcelos) na cidade dele, almocei lá, com ele. Ele me ligou agora há pouco. Quer se encontrar comigo. Eu tô atendendo ele, viu!" Carlão respondeu: "Tá ótimo, doutor". Cleudson continuou a prestar contas. "Aquele outro de Santa Fé, (o prefeito) que o senhor me falou, também me ligou e vai marcar a semana que vem em São Paulo. Ele preferiu conversar comigo em São Paulo, tá?" A conversa anterior seria na prefeitura da cidade.
<b>CONTRATO</b>
Em 27 de junho, novamente Cleudson ligou para Carlão. Desta vez, o deputado deu uma notícia sobre os negócios do médico. "Acabou de assinar lá, viu? Publica amanhã tá? Carapicuíba publica amanhã", afirmou. O médico perguntou: "Tudo tranquilo?" E Pignatari respondeu: "Tranquilo, depois eu explico…. Amanhã sai a publicação no Diário Oficial". Cleudson agradece: "Muito obrigado, deputado".
Segundo o MPE, a organização de Cleudson já dominava o Hospital Geral de Carapicuíba e lutava para assumir o Ambulatório Médico de Especialidades (AME) da cidade. No dia 25, o grupo do médico recebeu parecer favorável na Secretaria Estadual da Saúde. No dia 26, a secretaria o declarou vencedor. No dia 27 há o diálogo entre o deputado e o médico e, no dia 29, o contrato saiu no Diário Oficial. A Promotoria apura se uma das organizações usadas por Cleudson – Santa Casa de Misericórdia de Pacaembu – foi favorecida nesse contrato.
<b>DEFESAS</b>
O presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, deputado Carlão Pignatari, afirmou, por meio de nota de sua assessoria, que "as supostas conversas questionadas pela reportagem são datadas de 2019, antes de qualquer denúncia ou suspeita pública contra o médico Cleudson Garcia Montali". Destacou ainda que, à época das conversas, não era o presidente da Assembleia.
Ele disse que "não é investigado na Operação Raio X e que em nenhum momento foi alvo de diligências determinadas pela Justiça". "O inquérito principal da operação inclusive já foi encerrado, resultando em mais de 160 novos inquéritos, sendo que o parlamentar não é investigado em nenhum deles. Não possui, portanto, qualquer relação com o caso."
Por fim, a assessoria do tucano afirmou ser "importante destacar que o deputado Carlão Pignatari apoia a irrestrita investigação da Operação Raio X e reitera sua correta conduta em sua trajetória parlamentar".
A reportagem procurou Ademir Maschio, ex-prefeito de Santa Fé do Sul, mas não conseguiu localizá-lo para tratar de seus contatos com o médico anestesiologista Cleudson Garcia Montali.
Procurada, a defesa do médico também não foi localizada. Cleudson está preso, cumprindo duas condenações que, somadas, chegam a 200 anos de prisão. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>