Cada vez que se fala em Vanguarda Paulista – quatro décadas depois daquele momento de grandes encontros de uma geração de universitários criativos do câmpus da USP, tendo por plataforma de lançamento o Teatro Lira Paulistana – ainda prevalece o clichê da música “difícil”, “cabeçuda” e anticomercial no senso comum. O Grupo Rumo (especialmente na figura do mestre Luiz Tatit) forma com Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé a tríade simbólica dos vanguardistas daquela geração.
Mais do que outros contemporâneos e ícones da música de produção independente de São Paulo, foram eles que valorizaram a fala no canto e o sabor da pronúncia de cada sílaba sobre melodias e arranjos tortuosos. A produção artesanal de seus discos passava ao largo de grandes artifícios tecnológicos e dos modismos. As letras, especialmente as de Tatit, versavam (e versam) sobre situações cotidianas de uma perspectiva muito peculiar com aguçado senso de humor e ironia.
Num certo domingo de 1986 o Rumo teve seus 3 minutos e meio de fama ao ter veiculado no programa Fantástico um videoclipe da canção Bem Alto (Zecarlos Ribeiro), do álbum Diletantismo. Como contaram em bem-humorado depoimento para o documentário Lira Paulistana e a Vanguarda Paulista (2013), de Riba de Castro, esperavam que no dia seguinte a música começasse a tocar no rádio e ficassem famosos com isso. Não deu em nada. Até porque a canção não tinha muito apelo comercial, ainda mais com uma letra sobre tentativa de suicídio.
O circuito deles realmente era outro. E assim (como Itamar e Arrigo) permaneceram fora do mainstream, mas com público cativo e exercendo influências sobre artistas de outras praças, como a brasiliense Cássia Eller, a fluminense Zélia Duncan e o mineiro Kristoff Silva, entre outros. Hélio Ziskind e Paulo Tatit (este com Sandra Peres na Palavra Cantada), nos anos 1990, trouxeram novidades musicais e cênicas para a canção infantil, cativando crianças e adultos de todo o País, fora da mídia convencional.
O Rumo iniciou a carreira discográfica entre ousadias autorais e um olhar revigorante sobre o passado de Sinhô, Noel Rosa, Vadico, Lamartine Babo, Heitor dos Prazeres e outros bambas da década de 1930. Havia ligações brejeiras que o canto de Ná Ozzetti também puxou da escola de Carmen Miranda, homenageada por ela em tributo contemporâneo no álbum Balangandãs, de 2009.
Ná também teve seu momento global ao vencer como melhor intérprete o festival de Música Brasileira de 2000. O prêmio foi a gravação do CD Show (nos moldes de Rumo aos Antigos, de 1981), com canções do repertório das grandes cantoras das décadas de 1940 e 50 e a inédita canção-título de Luiz Tatit e Fabio Tagliaferri que a fez ganhar o prêmio. O sucesso (no conceito mais comercial do termo) outra vez tocou a porta e não passou do batente.
O tempo se encarregou de colocá-los (também com seus trabalhos solos em discos, livros, artes visuais e afins) no patamar de um sucesso que não cabe no conceito raso da “glória e do dinheiro para ser feliz”. Em novos rumos, Tatit foi parar até no Norte assinando parceria dançante com o paraense Joãozinho Gomes. Numa eventual reunião em 2009, eles mergulharam em porão mais profundo da música brasileira, reinterpretando raridades dos anos 1930 e 1940, com músicos contemporâneos e novos agregados no excelente CD Sopa de Concha.
O saudável reencontro de 2018 traz um Rumo igualmente cativante voltado com os és no presente, com novas sonoridades e a veia poética sagaz de sempre. Esses meninos têm grande futuro. Até porque há uma nova geração que, além de encontrar ressonância no esquema cooperativo de produção como era há 40 anos (com as devidas atualizações tecnológicas), está interessada na história oculta de muita preciosidade da música brasileira que ainda brilha em universos paralelos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.