No primeiro espetáculo infantil do Grupo XIX de Teatro, Hoje o Escuro Vai Atrasar Para que Possamos Conversar, em cartaz no CCBB, o diretor Luiz Fernando Marques, o Lubi, já espera ter na plateia parte do público que a companhia cativou em quase 17 anos de existência. Mas pede que esse adulto leve com ele pelo menos uma criança.
É na aposta da possibilidade de diálogo entre as gerações que o grupo quer ampliar o seu público com a mesma linguagem característica de explorar espaços não convencionais de encenação e interagir com as pessoas, já vista em peças como Hygiene, Hysteria e Teorema 21.
O XIX se inspirou no livro De Repente, Nas Profundezas do Bosque, do escritor israelense Amos Oz, para tratar com os mais novos sobre intolerância e bullying. A obra já estava no radar de alguns integrantes do elenco, formado pelos atores Janaina Leite, Juliana Sanches, Rodolfo Amorim, Ronaldo Serruya e Tarita Souza.
A história se passa em uma aldeia onde não existe nenhum animal. Algo ocorreu no passado que provocou a fuga de todos eles do lugar. Só são lembrados nas aulas da professora Rafaela. Uma das alunas, chamada pelos colegas de “lunática”, some no bosque e seus amigos se juntam para encontrá-la e também desvendar o mistério do desaparecimento dos bichos.
“As crianças vão ao bosque para descobrir por que os animais não existem e por que os adultos são incapazes de falar para elas. Esse assunto é cercado de tabu. Elas têm algumas pistas e isso faz com que fiquem curiosas”, diz Serruya, que, além de atuar, é responsável pela dramaturgia. “Acho que a gente só consegue romper o ciclo de algo opressor quando você não se contenta com aquilo que vem como resposta pronta”, reflete o autor/ator, que também já foi vítima de bullying.
A ideia é propor uma “experiência” e não uma “audiência” ao público mirim, observa Lubi. Na primeira parte do espetáculo, quando a ação transcorre na aldeia – o mundo dos adultos, das verdades absolutas -, a peça tem uma linguagem tradicional do teatro, com a plateia nas poltronas. Quando os personagens partem para explorar o bosque, o público vai junto pelas dependências do histórico prédio do CCBB. E colocando a imaginação para funcionar: um corrimão vira penhasco, a escadaria vira uma corredeira, por exemplo. Na parte final, o olhar se inverte e as crianças vão assistir à peça de cima do palco.
“As pessoas confundem muito interatividade com a plateia falar. Não tem a ver com a plateia falar, tem a ver com o artista escutar. Então a gente vai ter que estar numa escuta ali”, comenta Lubi, que divide a direção com Amorim.