Empresas do setor de educação foram críticas à intenção do Ministério da Educação (MEC) de regular a abertura de determinados cursos EAD (Educação a Distância). A novidade consta da portaria publicada em 29 de novembro (2.041/23), que suspendeu, por 90 dias, a abertura de novos cursos em 17 áreas. Apesar disso, Cogna, Vitru e Ânima afirmaram que a decisão não os prejudica, visto que já possuem os cursos em questão – e o impedimento não vale para novas turmas de cursos já autorizados.
O discurso compartilhado pelas três empresas é de que o MEC deveria regular apenas se os cursos terão mais ou menos uso de tecnologia e os critérios de qualidade, mas não proibir a abertura de um determinado segmento.
Para o presidente da Ânima, Marcelo Bueno, a educação a distância no Brasil se consolidou, de forma equivocada, como um modelo barato e de menor qualidade. Ele defende que isso precisa mudar. "No Brasil, o EAD acabou se generalizando com um EAD com proposta de valor, tíquete mais baixo e qualidade aderente a essa proposta de valor", afirma.
Bueno acredita que a portaria e as falas do ministro da Educação, Camilo Santana, são uma resposta ao nível aquém do esperado no segmento e como forma de aumentar o controle sobre a qualidade da educação brasileira.
"Nos dados do censo recentemente publicados, há coisas que nos assustam bastante como brasileiros. O número de entrantes para formação de professores passa de 80% através do EAD", diz.
Por outro lado, ele considera que fechar a oferta de cursos EAD algo extremo: "uma medida de fechar curso ou oferta é radical para tentar remediar uma situação".
O executivo reforça que a raiz do problema, no entanto, está na distorção da proposta do ensino à distância para uma opção necessariamente barata, e consequentemente de menor qualidade. "A discussão é: usa mais ou menos tecnologia. Não necessariamente tem que ser barato para isso. Você pode usar tecnologia, oferecer qualidade e cobrar por isso. Isso existe em outros países, e o Brasil tem que migrar para esse modelo. O uso intensivo de tecnologia pode gerar muito valor e podemos cobrar por isso e entregar qualidade aderente a essa proposta de valor".
O CEO da Cogna, Roberto Valério, concorda que o caminho ideal seria buscar uma regulação que proporcione essa melhora de qualidade no EAD através de requisitos como por exemplo uma maior carga horária ou exigência de laboratórios físicos para determinados cursos, como os da área da saúde.
"Vamos melhorar qualidade, elevar a barra, e não bloquear a disponibilidade", afirma. "O papel do regulador é buscar a melhor qualidade possível, ele não devia estar preocupado com nada diferente disso: qual a melhor regulação para o Brasil, e os players precisam se adaptar a essas condições". Para Valério, é preocupante a maneira como o tema está sendo debatido, por gerar incerteza no segmento.
"Tenho certeza que o governo vai ser sensível a isso no momento em que a decisão for tomada", pondera o executivo, se referindo ao período após os 90 dias em que a portaria é válida. Ainda não se sabe se depois desse período, o MEC irá manter a proibição.
A visão de William Matos, presidente da Vitru, maior empresa do segmento de educação a distância, vai no mesmo sentido dos demais: "o MEC tem que cuidar da qualidade, não da metodologia em que o ensino é ofertado. O MEC tem comparado muito o presencial e o EAD, enquanto deveria cobrar qualidade de todos, independente se a entrega é com mais ou menos tecnologia".
"Somos favoráveis a uma cobrança maior de qualidade, mas não proibição de cursos. Exigir mais horas-aula, corpo docente, etc, mas a diferença de qualidade não existe, resultado do Enade mostra instituições boas e ruins tanto no presencial quanto no EAD", completa.
<b>Competição no EAD</b>
O mercado de educação a distância tem se tornado cada vez mais acirrado nos últimos anos. Um levantamento feito pelo BTG Pactual publicado em janeiro deste ano mostra um aumento de cerca de cinco vezes no número de polos EAD em um período de dez anos (2010-2020), sendo o maior salto a partir de 2018, quando houve crescimento exponencial e acelerado.
Mesmo com a maior competição, os grupos educacionais dizem estar em vantagem sobre os concorrentes, por já terem a grande maioria dos 17 cursos cuja abertura está suspensa, diferente de pequenas faculdades, que ainda poderiam abrir tais cursos. Além disso, o fato de terem mais recursos também ajuda.
Matos afirma que a Vitru não está sendo sentindo os efeitos: "não entendo porque não estamos vivendo isso, estamos crescendo sem perder tíquete", diz.
"É um mercado competitivo, mas como todo mercado competitivo, ele vai se ajustando ao longo do tempo, os setores vão se acomodando e ficam os melhores players", afirma Valério, CEO da Cogna.
Já sobre a portaria do MEC, ele acrescenta: "os grandes players se sairiam bem – especialmente nós, já que todas as nossas práticas são presenciais, mesmo não sendo requisito regulatório", se referindo a um possível requisito regulatório para obrigatoriedade de aulas práticas presenciais mesmo em cursos EAD. O único caso em que a empresa seria afetada, diz o executivo, é se os cursos fossem proibidos na modalidade EAD, ou seja, até aqueles já autorizados precisassem fechar, mas não há indicativos de que isso seja uma opção do ministério.
"O governo tem que olhar para o cidadão, não para as empresas. Mas claro que as empresas maiores têm mais recursos e condições de serem competitivas, o que é uma prerrogativa do mercado privado, não só do setor", completa.
Bueno, por sua vez, defende que a maior regulação do EAD é uma grande oportunidade para as empresas que se posicionam com qualidade. Quanto à Ânima, ele destaca a estratégia de ter marcas regionais como diferencial competitivo. "No Brasil, educação é regional. O poder da marca regional é uma escolha e aposta nossa. Quem conseguir oferecer um EAD com uma marca regional tem muito mais força para competir com players que não são regionais. Essa é a nossa proposta para nos diferenciarmos nessa eventual competitividade".