“Trabalhar com cicatrizes é sempre um desafio, porque nenhuma cicatriz é como a outra”. A fala técnica da guarulhense Raquel Gauthier sobre os desafios necessários para cobrir um detalhe indesejado no corpo, também serve para a parte emocional. Toda cicatriz carrega uma história e a profissional atua para amenizar dores que não são mais físicas.
Raquel é tatuadora profissional e se especializou em cobrir cicatrizes através da sua arte. Crescida no Pimentas, ela habita no meio há quase quatro anos. Inicialmente, atendia em um quarto improvisado no bairro de origem e hoje recebe os clientes no seu próprio espaço, no Centro de São Paulo.
Na profissão, Raquel enfrentou desafios até a consolidação no nicho de atuação. “A especialização é o sentido mais profundo na arte. Sempre foi uma linha tênue, até que consegui conciliar quando me encontrei na tatuagem em cicatriz. Passei a sentir desejo de me especializar nessa área, quando me aprofundei em meus sentidos e percebi que minhas sensações ao tatuar algo que significasse tanto para cliente em questão emocional me preenchia, ao ponto de eu passar horas tatuando e esquecer que preciso até me alimentar”, relata.
“Em 2020, durante o Setembro amarelo, eu participei de um projeto e tatuei algumas cicatrizes de automutilação e ali comecei a sentir algo diferente em relação a tudo que já havia sentido. Passei a pesquisar vídeos e informações sobre tatuagem em cicatriz com a minha esposa”, acrescenta Raquel.
Desde março do ano passado, Raquel trabalha apenas com clientes que pretender esconder suas cicatrizes. No entanto, além do nível de técnica e concentração que os detalhes da pele exigem, ela também ouve histórias tristes e desagradáveis de mulheres que passaram por traumas e tentam, por meio da arte dela, superá-los. “Preciso trabalhar com meu psicológico para, no momento de ver a cicatriz e ouvir as histórias, não causar nenhum impacto negativo para a cliente e passar a esperança no olhar e a segurança nas minhas palavras, porque é através da arte que elas esperam essa libertação e autoestima que foi perdida”, explica.
“Dentre muitas histórias impactantes que eu recebi uma que hoje me lembro, uma cliente que sofreu um acidente aos cinco anos. Ela morava em Salvador, estava na calçada brincando em época de Carnaval, e um carro desgovernado a atropelou. Deixou uma cicatriz. Fez com que ela nunca mais usasse roupas que mostrassem a perna. Hoje, aos 45, me contou que a mãe dizia — ‘um dia você vai acordar e não vai mais ver essa cicatriz’. Então ela dormia com esse pensamento. Me encontrou pelo Instagram, veio para São Paulo, onde tenho estúdio, e quis homenagear a mãe. Bolamos um desenho, uma orquídea, a flor preferida de sua mãe. Ela conta que a mãe tinha razão. Hoje ela acorda e não vê mais a cicatriz. Vê um desenho que a lembra do amor pela mãe”, recorda.
Raquel avalia caso a caso, em uma consulta, antes de iniciar a tatuagem. Em seguida, ela escuta as clientes sobre as ideias e, por meio do diálogo, as executa desenhando diretamente no corpo. Segundo ela, o desenho artístico deve se encaixar perfeitamente na cicatriz, dando um efeito visual leve e único.
Quem quiser conhecer o trabalho e as tatuagens da profissional pode acioná-la e segui-la no Instagram @raquegauthier.