A guerra de liminares no setor elétrico gerou uma situação inusitada na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Na liquidação do mercado na semana passada, a Câmara deixou de cobrar os R$ 3,1 bilhões relacionados à disputa entre a usina de Jirau e as distribuidoras de energia por não ter como cumprir uma decisão judicial sem desrespeitar outra. Com o impasse, Jirau entrou com mandado de segurança contra a CCEE, acusando-a de descumprimento de sentença.
Em maio, a Justiça Federal de Rondônia (JF-RO) concedeu um adiamento na entrega da obra de Jirau devido a eventos que comprometeram os cronogramas da construção, como greves, invasões e burocracias ambientais. Ao todo, Jirau obteve perdão de 535 dias. Como já havia entregado energia às distribuidoras, teria direito a receber de volta a energia que produziu, que, ao todo, atingia R$ 3,1 bilhões. O pagamento deveria ocorrer na semana passada.
As distribuidoras, por sua vez, entraram com liminar no Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1) para suspender os efeitos da decisão. Segundo as concessionárias, a ação de Jirau não citava as distribuidoras e, portanto, não poderia transferir o custo para empresas que não puderam se defender ao longo do processo.
A liminar que livrou as distribuidoras da cobrança foi concedida no fim de setembro pelo TRF-1. Na mesma semana, porém, o TRF-1 emitiu um despacho ressaltando que a decisão da JF-RO favorável à Jirau não havia sido derrubada e continuava em vigor.
A CCEE ficou numa encruzilhada. Sem poder cobrar as distribuidoras, não teria como pagar a usina de Jirau, a não ser que repassasse o débito a todos os demais integrantes do setor elétrico na câmara. Em ofício ao desembargador do TRF-1, Jirair Aram Meguerian, o superintendente da CCEE, Rui Altieri, relatou a dificuldade de cumprir as duas sentenças.
Transferência
“As partes contratantes são Jirau e distribuidoras, de modo que, como em toda relação contratual e até por força do princípio da relatividade dos contratos, se uma das partes deixa de pagar, naturalmente, a outra deixará de receber”, afirma o superintendente, no documento. A CCEE acrescentou que a transferência do pagamento para outros integrantes da câmara também desrespeitaria decisão do TRF-1.
A CCEE confirmou o teor do documento. Por meio de nota, afirmou que está cumprindo todas as decisões judiciais recebidas. A entidade informou ainda que aguarda uma solução judicial definitiva sobre a questão.
“Os créditos de Jirau são reconhecidos por decisão judicial e foram considerados na contabilização. Ao mesmo tempo, as distribuidoras possuem uma decisão judicial que lhes garante o não pagamento destes valores, que também foi considerada pela CCEE. Dado o amparo judicial em favor das distribuidoras e de Jirau, o valor permanece reconhecido e em aberto até uma solução judicial para a questão”, informou a CCEE, por meio de nota.
No ano passado, o Superior Tribunal de Justiça julgou caso semelhante sobre a usina de Santo Antônio e deu ganho de causa às distribuidoras. Procuradas, a Energia Sustentável do Brasil e a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) não se manifestaram. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo