O ano é 1967. Durante os primeiros anos da ditadura militar brasileira, a região entre Pará e Tocantins se tornou campo do batalha que reuniu 70 guerrilheiros contra cinco mil homens do Exército. No grupo em desvantagem, mulheres combatentes também deixaram suas cidades para lutar nas frentes de uma revolução socialista inspirada nas experiências das Revoluções Cubana e Chinesa.
Próximo de 2014 e dos 50 anos do Golpe, a memória desse conflito provocou um novo deslocamento de mulheres para a mesma região, dessa vez para visitar esse quintal da guerra do Brasil a fim de garimpar histórias. Após 36 horas de viagem, o ônibus que deixou o Rio de Janeiro chegou ao seu destino.
A expedição durou quase duas semanas. “Percebemos que, para entender aquele lugar, a gente precisava ir para lá”, conta Gabriela Carneiro da Cunha, idealizadora do projeto que deu origem ao espetáculo Guerrilheiras ou Para a Terra Não Há Desaparecidos, que inicia uma curtíssima temporada a partir desta quinta, 8, no Itaú Cultural. “Dentre as 12 mulheres que ficamos sabendo, 11 estão desaparecidas. Onde elas estão?”.
Questões como essa guiaram a expedição do elenco. A produção da peça promoveu encontros com moradores da região e visitaram a Serra das Andorinhas, local que recebeu o despejo dos corpos dos guerrilheiros.
Diante de lembranças esparsas e depoimentos por vezes imprecisos, Gabriela conta que a intenção não era fazer um espetáculo histórico ou jornalístico. “Aquele lugar nunca deixou de ser oprimido. Isso continua presente. O desafio foi criar um espetáculo que não fosse romântico, tratando essas mulheres como heroínas e tampouco partidário”.
Assim, na montagem de Georgette Fadel da Cia. São Jorge de Variedades e com dramaturgia de Grace Passô, do grupo mineiro Espanca!, a intenção de guerrear foi colocada como protagonista. “Elas eram jovens estudantes que cruzaram o País e se armaram para lutar por paz. Pode ser algo contraditório, mas elas lutaram por justiça”, conta a diretora.
Inicialmente pensada para virar uma série de TV, a pesquisa ganhou registro do cineasta Erik Rocha e as imagens foram integradas à cena. “Foi um grande exercício de escolha. Não apenas pelo material colhido, mas pelos relatos trazidos pelas atrizes e a linguagem e abordagens que seriam escolhidas”, explica.”No fim, demos voz à poesia dessa guerra”.
Ao contrário das histórias levantadas, o figurino da peça tomou o caminho oposto. Assinadas por Desirée Bastos, as peças foram adquiridas em brechós e bazares no Araguaia. Em seguida, as roupas foram enterradas em um sítio pela própria figurinista por três semanas antes de serem lavadas. O resultado é um vestuário deteriorado, em uma alusão aos corpos não encontrados. “Isso simboliza a força de mulheres esmagadas.”
A guerrilha teve fim por volta de 1974. A ex-professora Maria Lúcia Petit (1950-1972) foi a única guerrilheira morta e identificada posteriormente. Seus restos mortais foram localizados em 1991 e identificados em 1996. “Nós tentamos dar algumas versões”, conta Gabriela. “Mas só podemos contestar a versão oficial. A de que as mulheres foram assassinadas pela ditadura.”
Para Georgette, as coisas não mudaram tanto. “Pode não haver mais tortura, mas as mortes são multiplicadas em outras formas de violência”, conta.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.