Em 6 de abril de 1988, Larry Carlton, um dos guitarristas mais virtuosos da história do jazz, pensou que sua trajetória na música tivesse chegado ao fim. Naquele dia, um adolescente armado parou em frente à sua casa, em Hollywood Hills, bairro nobre de Los Angeles, e disparou friamente sem nenhum motivo específico. Um dos três tiros acertou o pescoço de Carlton. A lesão paralisou o braço esquerdo do músico que ficou um ano longe dos palcos.
“Imaginei, em várias ocasiões, que nunca mais voltaria a tocar. Roubaram de mim a coisa que mais amava na vida. Mas não desisti”, disse ele, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo por telefone, direto de Buenos Aires, Argentina, onde se apresentou na semana passada. Após longos meses de fisioterapia, Carlton voltou a fazer shows. Recuperou-se bem do acidente e hoje, 28 anos depois do ocorrido, ratificou seu nome como influente instrumentista do jazz. “Vivi um dia de cada vez. Isso foi o suficiente para que coisas boas acontecessem”, afirmou. Nomão da música, Larry Carlton desembarca no Bourbon Street, em São Paulo, nesta terça-feira, 19, para sua única apresentação no Brasil. Ele também tocaria no Iguape Jazz & Blues Festival, realizado em Iguape (a 202 km da capital paulista), mas o festival acabou cancelado na semana passada.
Conhecido como Mr. 335, por causa de sua inesquecível performance na guitarra Gibson ES 335 (safra 1969), o músico californiano ganhador de quatro prêmios Grammy (foi indicado outras 19 vezes) não se apresentava no País desde 1983. Em 1999, ele entrou para o Guitar Centers Hollywood Rockwalk, ao lado de Joe Satriani, Steve Vai e Jimmy Vaughn. “Não toco por aí (no Brasil) há muito tempo. Para ser sincero, não me recordo de quando foi o último show. Penso que será um grande reencontro com este povo incrível. Estou ansioso e devo apresentar algumas coisas interessantes”, complementa ele.
Modesto e de poucas palavras, Larry Carlton esconde em sua tímida voz um talento nato. Uma enquete da revista Rolling Stone norte-americana colocou seu lick de guitarrada música Kid Charlemagne, do grupo Steely Dan, como um dos três melhores de todos os tempos. Compositor de trilhas para filmes de cinema e televisão, o guitarrista sabe equilibrar técnica e sentimento na medida certa. “Não tem segredo. Quando toco, procuro colocar todo o meu coração nas composições. Acho a técnica importante, mas se não tiver sentimento, feelling e uma boa energia, sua música não será capaz de prender as pessoas. Elas nunca vão se emocionar. Sou um cara de sorte porque isso sempre esteve comigo, desde o início, quando comecei a praticar guitarra. A dica que dou, portanto, é: coloque sentimento em tudo que faça. Se seguir essa receita, terá muito sucesso”, afirma.
Músico oficial de estúdio desde o final da década de 1970, quando deixou a banda de jazz The Crusaders, Carlton participou da gravação de mais de 100 álbuns. Alguns trabalhos, inclusive, ganharam disco de ouro e platina. A lista oficial de artistas inclui Michael Jackson, Barbra Streisand, Billy Joel, The Four Tops, Quincy Jones, Joni Mitchell e Christopher Cross. “Não tenho ideia de quantas gravações fiz ao todo. Pelas minhas contas, entretanto, foram, aproximadamente, 3.000 nos 20 anos em que atuei ativamente, mais nos anos 1980, para falar com precisão”, lembra ele. A carreira solo de Carlton ganhou força com o álbum homônimo Larry Carlton (1978). Além disso, ele também gravou com guitarristas como Robben Ford, Lee Ritenour e Steve Lukather (do grupo Toto), além de integrar a superbanda de jazz Fourplay entre 1998 e 2010. “Tudo acrescenta um pouco. Um músico que roda o mundo precisa de bagagem para suportar os desafios da vida. A guitarra é muito isso: improviso e dedicação. Gosto de estar no palco com músicos distintos. Você aprende tanta coisa”.
Música brasileira
Em 1978, Carlton gravou uma música chamada Rio Samba. Homenagem ao Brasil? Não – pelo menos, é o que ele diz. “Compus algo latino e, ingenuamente, achei que tinha alguma semelhança com a sonoridade brasileira. Engano meu, na verdade. Morava em Los Angeles e tinha pouco contato com esse tipo de música, apesar de considerar a música de vocês muito bonita. É bem provável que tenha tocado com algum brasileiro no estúdio, mas não me recordo. Foram tantas histórias e, além disso, não tenho uma memória tão boa assim”, diz ele.
Ao lado de sua fiel Gibson 1969 modelo ES-335, a sua marca registrada, o Mr.335 possui há quase dez anos seu próprio selo, o 335 Records, no qual lança seus trabalhos desde 2007. “Foi um caminho natural, algo que consolidei com o tempo. Tenho um controle maior da minha produção”. Questionado se 335 pode ser considerado seu número da sorte, Carlton gargalha. “Não acredito em superstição”, conclui.
Frequentemente colocado entre os melhores guitarristas de todos os tempos nas mais variadas listas especializadas, Larry Carlton começou a tocar muito cedo, ainda na infância, com 8 anos de idade. Humilde, o músico norte-americano e fã declarado de B. B. King, não se considera merecedor de tanto destaque. “É muito difícil eleger o melhor guitarrista de todos os tempos. São muitos talentos, cada um com seu estilo e jeito peculiar de tocar guitarra. Eu, particularmente, gosto muito do Albert Collins, do Derek Trucks e, claro, do B. B. King, só para citar alguns bons exemplos. São escolas diferentes. O maior erro é tentar englobar todos eles em uma mesma coisa. Música não é uma competição”, complementa.
Em sua única apresentação no Brasil, o músico de solos bem construídos e riffs estridentes contará com bons nomes em sua banda de apoio. O grupo inclui Jota Morelli (bateria), Daniel Maza (baixo) e Colo Silva (teclados). Todos brasileiros, o que dá uma sonoridade peculiar ao show desta terça. “Podemos esperar coisas boas. Uma performance jamais é igual a outra. Podem esperar”, conclui.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.