Gestores públicos de todo o Brasil, recém empossados em seus cargos ou no poder há dois anos, enfrentam incessantes batalhas na recuperação dos estados e municípios nesse período pós-crise. Nada menos do que sete estados declararam calamidade financeira por não conseguirem honrar seus compromissos com folhas de pagamento e com fornecedores. Na lista, aparecem Rio de Janeiro, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e, mais recentemente, Goiás, que acumula uma dívida de R$ 3,4 bilhões, sendo R$ 720 milhões somente na área saúde.
A situação que os novos governadores encontraram não é muito diferente do que ocorreu em Guarulhos, na Grande São Paulo. Em janeiro de 2017, ao assumir a Prefeitura, o município acumulava mais que o dobro da dívida do Estado de Goiás: R$ 7,4 bilhões. A declaração de calamidade financeira naquele momento seria uma possibilidade, mas que foi rechaçada de imediato. Afinal, isso implicaria em grande comprometimento no fluxo de caixa, além das dificuldades de acesso a novos créditos. A alternativa, nestes dois anos, foi a mais difícil, a partir de uma verdadeira reengenharia financeira para tentar equalizar as contas. Muitas vezes, medidas impopulares foram necessárias, porém fundamentais para se poder enxergar um horizonte melhor hoje.
Além da dívida bilionária, naquele momento, a cidade estava literalmente com o nome sujo. Sem Certidão Negativa de Débitos (CND), o município estava impedido de buscar novas fontes de financiamento juntos aos governos estadual e federal, além de organismos internacionais. Até as compras de itens de primeira necessidade, como remédios para o abastecimento de hospitais e merenda escolar, estavam comprometidas, devido à inadimplência junto aos fornecedores.
Hoje, a partir de medidas de austeridade e, muitas vezes, impopulares, a dívida de Guarulhos foi reduzida praticamente à metade, tornando o município administrável, o que é fundamental já que a cidade clama por investimentos em sua infraestrutura e melhoria na prestação dos serviços básicos à população. Não tem receita e nem mágica. Existe sim muito trabalho e determinação.
Guarulhos abriga uma população de 1,3 milhão de pessoas e enfrenta problemas crônicos comuns dos grandes centros urbanos, especialmente na área da saúde. Com orçamento anual de R$ 4 bilhões, as soluções passaram pelo enxugamento de gastos em todos os setores. Em dois anos, a Prefeitura eliminou 13 secretarias e reduziu em mais de 40% o quadro de comissionados. O número de imóveis locados diminuiu sensivelmente gerando mais economia aos cofres públicos. De olho no futuro, o Governo está em vias de implantar o Regime Próprio, com a transposição do regime celetista para o regime estatutário dos servidores públicos, medida que deve proporcionar economia de R$ 500 milhões nos próximos 10 anos.
No mês de dezembro, Guarulhos passou a concessão dos serviços de saneamento básico, antes realizado pela autarquia municipal Saae (Serviço Autônomo de Água e Esgotos) para a estadual Sabesp. O negócio permitiu, além de liquidar a dívida de R$ 3,2 bilhões que o município mantinha com a empresa de saneamento, investimentos que devem chegar a R$ 7 bilhões em obras para garantir o fim do rodízio no abastecimento de água na cidade e garantir o tratamento do esgoto, hoje despejado in natura no rio Tietê.
Apesar da escassez de dinheiro, nestes dois anos, a administração municipal manteve os salários em dia, cumprindo com todos os encargos trabalhistas dos servidores públicos, incluindo férias atrasadas e pagamento de décimo terceiro sem atraso. O IPTU da cidade está congelado pelo segundo ano consecutivo, como forma de estimular o pagamento do imposto, além de onerar menos a população, tão sacrificada com diversos tributos.
A Prefeitura conseguiu ainda garantir o abastecimento de merenda e uniforme escolar para todas as escolas da rede pública. Na área da saúde, houve a redução da defasagem no estoque de medicamentos, antes próximo a 50% para menos de 20%. Hospitais e equipamentos de saúde do município se mantiveram abertos, incluindo a inauguração de duas novas UPA (Unidades de Pronto Atendimento), contratação de novos profissionais. O investimento em saúde chegou a 31% do orçamento, ou seja, 16% a mais do que o exigido por lei.
A solução para os problemas, enfrentados por centenas de colegas gestores, passa por uma verdadeira reinvenção na forma de tratar a coisa pública. Desta forma, apesar das dificuldades financeiras, que parecem nunca ter fim, é fundamental que a transferência de responsabilidades para os municípios seja acompanhada por mais investimentos por parte dos governos estadual e federal. Neste sentido, há que se contar com a sensibilidade do novo presidente Jair Bolsonaro, que também tem pela frente uma longa missão na recuperação do país, que passa necessariamente pela verdadeira valorização dos municípios.
Gustavo Henric Costa, o Guti, é prefeito da cidade de Guarulhos.