Mundo das Palavras

Há homens que não quebram

Santiago era um pescador hábil e veterano. Mas, tinham se passado quase três meses. E sua pequena canoa continuava a voltar vazia do mar. Sua má sorte parecia infindável. Até que um peixe imenso mordeu o seu anzol e o arrastou para alto mar. Como controlar aquele gigante? Sua linha de pescar, retesada ao máximo, já tinha ferido suas mãos e suas costas. E Santiago naquela agonia, debaixo de sol intenso. Finalmente, ele conseguiu matar o peixe. Amarrou-o na parte externa da canoa. Dentro dela ele não cabia. Começou então seu retorno para casa. Foi quando os tubarões apareceram. Para atacarem o peixe imobilizado. Dentes enormes arrancavam os melhores pedaços da carne do peixe. Santiago tentava enxotá-los, usando seu remo como arma. Muitas horas transcorreram assim. Depois, completamente exaurido, ele pôde amarrar sua canoa em terra firme. Mas, o peixe estava descarnado. Era um esqueleto com espinhas. 
 
Como Santiago, Ruy Fernando Barbosa enfrentou imensas dificuldades até se apossar de uma preciosidade. O seu peixe gigante foi o prestígio de profissional talentoso que amarrou às suas carreiras em áreas diferentes. Inicialmente, na de Direito, para a qual se preparou numa faculdade, num escritório de advogacia e nos fóruns. Depois, na área de Jornalismo Impresso, ingressando em Redações de publicações importantes, como as de Realidade, Veja, Quatro Rodas e Playboy. Nas quais quase sempre chegou ao cargo mais alto, o de redator-chefe. Depois, na área de Telejornalismo, cuja linguagem passou a dominar tão bem que pôde criar o “Bom Dia, São Paulo”, na Globo, com formato logo adotado em todas as retransmissoras daquela rede de TV.  Depois, na área do Magistério. Enfrentando o desafio de montar uma editora e implantar sozinho uma Faculdade de Jornalismo para a Universidade Estadual de Londrina. Quando Ruy elaborou programas de disciplinas, organizou concurso para docentes. E tornou-se o primeiro Chefe de Departamento. Depois, na área de Psicologia. O que o obrigou a voltar à condição de aluno universitário. Tendo se formado psicólogo, se especializado em Psicanálise e Psico-Oncologia. Com aprimoramento, em Nova Iorque, no campo da Análise Bioenergética. Ruy, em seguida, abriu consultório em São Paulo. E chegou ao cargo de supervisor do Programa de Doenças Afetivas do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina. 
 
Sempre inquietado pela necessidade de criar, ao mesmo tempo, ele mantinha um antigo gosto por canto. Tirando proveito de sua voz bonita. Às vezes, compunha canções. Chegou a montar um show com o cartunista Chico Caruso. E, a pedido do mitológico diretor de teatro Augusto Boal, criou música de humor erótico para um espetáculo de Ari Toledo.. 
 
Infelizmente, como ocorreu com Santiago, Ruy também se viu cercado por seres ameaçadores. Aconteceu no Rio de Janeiro, onde visitava uma filha. Bandidos, num tiroteio, disparavam seus fuzis a esmo. Uma bala alcançou o corpo de Ruy. Quebrou ossos de seu quadril, danificou uretra e próstata. Jogando Ruy num pesadelo infindável. Dezesseis cirurgias seguidas.
 
Santiago – personagem de ficção, criado por Ernest Hemingway, em “O velho e o mar” – e Ruy – ser humano caloroso, inteligente, bem-humorado – tiveram momentos de desespero e solidão. Um, na sua canoinha, em alto mar. Outro, nos tratamentos hospitalares prolongados. 
Para ambos vale algo que o poeta português Jorge de Sena disse somente sobre Santiago: sua capacidade de lutar e sobreviver levou-o “para além do que parece ser o legítimo limite de sua força”.
 
Santiago deixou uma convicção expressa em frase hoje universalmente conhecida: “Um homem pode ser destruído, mas não pode ser derrotado”. 
 
Ruy se apoiou em andador, muletas e bengalas, até reaprender a andar. Tudo para voltar às suas arenas profissionais. Nos 11 anos em que ainda viveu, foi advogado e jornalista, como Analista Judiciário, coordenador da TV e Rádio Justiça de Brasília. Telejornalista, no Canal Futura. E jornalista e psicólogo, na Revista Cláudia, onde assumiu a responsabilidade por uma coluna de consultas sobre problemas emocionais. 
 
Em agosto de 2013, Ruy morreu. Mas pode ser visto hoje – alegre e bonachão – em vídeos postados no Youtube. Neles, canta com graça e malícia algumas de suas músicas de humor erótico.  
 

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