Mundo das Palavras

Há justificativa para matar?

“Se eu matasse alguém destruiria também a minha vida”, assim o líder católico de esquerda  Paulo de Tarso Santos explicava porque  se negou a aderir à luta armada no auge da crise institucional do Brasil, ocorrida em 1964. Naquele período, ele foi ministro de Educação, antes da deposição do presidente João Goulart por golpistas militares. 
 
A explicação do ex-ministro, certamente, estava ligada ao veto  estabelecido numa das leis que, segundo a tradição judaico-cristã, teriam sido formuladas por Deus e entregues ao profeto Moisés. Com duas palavras apenas – “Não matarás” -, aquela lei parece impedir a aceitação de qualquer justificativa para um assassinato. Por isto, sabem todas as pessoas imbuídas dos valores cristãos: a questão da legítima defesa deve ser deixada para consideração dos juristas.    
 
Infelizmente, o escrúpulo religioso expresso por Paulo de Tarso tem se constituído numa frágil barreira para a proteção da Humanidade nos últimos cem anos. Nove milhões de pessoas foram exterminadas durante a Primeira Grande Guerra, em somente cinco anos, a partir de 1914. Pouco mais de duas décadas depois, outra grande matança se generalizou no mundo, a Segunda Grande Guerra.  Seu saldo: 59 milhões de mortos. Desde então, gigantescas máquinas de matar se mantiveram ativas: 1º) as engrenagens de organizações criminosas como as dos mafiosos e narcotraficantes; 2º) o trânsito de veículos nas estradas e nas grandes cidades; 3º) o acúmulo de problemas sociais não resolvidos ligados a emprego, educação, moradia e saúde, nas periferias das metrópoles do chamado Terceiro Mundo. 
 
Todos os dias assassinatos se repetem. Houve mais de 10 mil, num único ano, em Juarez, cidade do México. Ali passou a ser indício de status social invejado por muitos jovens poder matar impunemente, como mostra uma letra de música popular. Produzida por um insólito fenômeno cultural – o Movimiento Alterado – no qual se reúnem compositores e cantores empenhados em louvar os feitos dos narcotraficantes, diz aquela letra de música: “Somos sanguinários. Gostamos de matar”.
 
Só nos últimos vinte dias, a matança de 1.400 pessoas na Palestina, entre as quais crianças que estudavam em escolas da ONU, tem sido exibida pelos veículos de comunicação de massa.  Os responsáveis por estas mortes são militares descendentes dos sobreviventes ao extermínio de judeus praticado pelos nazistas há setenta anos. Estes militares alegam: afora a necessidade de reagir à perda de mais de 50 soldados e civis, imposta pelos últimos conflitos com o Hamas, eles tem de extinguir a angústia permanente sentida por grande parte da população de Israel, instalada há anos em abrigos militares devido a ataques daquela organização palestina. E acrescentam: as mortes de civis no território da Palestina ocorreram porque membros do Hamas cavam túneis para atacar Israel, em áreas densamente habitadas de seus povoados, além de instalarem lançadores de foguetes até em suas mesquitas.
 
Portanto, tornou-se óbvio: naquele mandamento cristão, incontornável para Paulo de Tarso, os militares de Israel não veem barreira para suas ações.  
 

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