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Hans Günter Flieg ganha livro e mostra

O Brasil era um país em transição para o modelo industrial quando o fotógrafo de origem alemã Hans Günter Flieg desembarcou no porto de Santos com sua família, em 1939, escapando de uma Alemanha antissemita à beira da catástrofe nazista.
Flieg, nascido em Chemnitz, na Saxônia, tinha apenas 16 anos, mas uma relativa experiência com câmeras, que aprendera a operar entre 1937 e 1938 com a professora Grete Karplus, ex-funcionária do Museu Judaico de Berlim. Foram necessários apenas seis anos para que Flieg se estabelecesse como respeitado fotógrafo de publicidade e arquitetura, produzindo por encomenda algumas das mais belas imagens que registram o processo de desenvolvimento industrial e arquitetônico de São Paulo, cidade que adotou e onde mora até hoje, aos 91 anos.

Flieg será homenageado pelo Instituto Moreira Salles (IMS) com um livro (Flieg – Indústria, Arquitetura e Arte na Obra de Hans Günter Flieg) e uma mostra retrospectiva no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC/USP). A exposição, com 220 imagens do fotógrafo, será aberta neste sábado, 20, às 11h30, com uma visita guiada pelo curador Sergio Burgi. Ela traz fotografias do acervo do artista sob guarda do IMS, uma coleção com mais de 35 mil negativos registrados nas quatro décadas de atividades de Flieg, que encerrou sua carreira como fotógrafo em 1988.

Num contato inicial com as fotos em preto e branco do primeiro período de atividade de Flieg – anos 1940 a 1960 – é possível associar essas imagens aos princípios estéticos do construtivismo internacional, corrente em voga na Alemanha nos anos 1920, embora o fotógrafo, naturalizado brasileiro em 1965, não identifique essa filiação, preferindo ver na própria experiência profissional – o registro de indústrias, lojas e objetos – o marco zero de sua formação como fotógrafo. Um dos pioneiros da fotografia publicitária no Brasil, seu trabalho é caracterizado pelo rigor e pela limpeza formal, valores igualmente encontrados nos fotógrafos ligados ao movimento Neue Sachlichkeit (Nova Objetividade), em particular Albert Renger-Patzsch (1897-1966). Outro nome a ser lembrado e que mantém parentesco estético com Flieg é Paul Wolff (1887-1951), especialmente no que se refere ao registro de fábricas e fotos de arquitetura (como a do ginásio do Ibirapuera em construção).

Flieg trabalhou com grandes arquitetos, entre eles Lina Bo Bardi, que projetou o Masp. Fotografou o museu desde a pedra fundamental – aliás, antes dela, registrando a demolição do belvedere do Trianon, que deu lugar a um pavilhão onde foi realizada a 1.ª Bienal de São Paulo, da qual Flieg, aliás, foi o fotógrafo oficial, em 1951. Sua ligação com arte é antiga. “Foi por meio dela que comecei a fotografar, pois gostava de desenhar e fazer gravuras em linóleo na Alemanha”, conta Flieg. Mas, ao contrário dos fotógrafos contemporâneos que procuram amalgamar pintura e fotografia, ele preferiu seguir o caminho do suíço Werner Bishof (1916- 1954), que buscou a serenidade e harmonia fora da representação pictórica, em confronto com o mundo real. Flieg admite que o intrigava o sentido de ordem e placidez presente no clássico livro sobre o Japão de Bishof, morto prematuramente, aos 38 anos.

Apesar de reconhecer tais referências, nunca se considerou um autor. “Não fazia distinção entre fotografar um chocolate da Candy ou uma fábrica da Klabin.” Ele garante que tampouco frequentava o círculo dos que se dedicavam à fotografia experimental no Brasil, que ingressou na modernidade pela porta do concretismo (Geraldo de Barros, por exemplo). “Eu vim como imigrante e via a fotografia como ganha-pão”, justifica. “Aprendi muito tarde a pensar em foto autoral, diria que por volta dos anos 1970, quando tive contato com Boris Kossoy e conheci Madalena Schwartz.”

Kosoy viria a organizar a primeira retrospectiva de Flieg em 1981, quando dirigia o Museu da Imagem e do Som (MIS). Era uma mostra completa, que tinha desde uma foto do seu cão Ajax, fotografado pelo jovem Flieg aos 11 anos, até fotos de catálogos de indústrias. O fotógrafo conserva vários álbuns com fotos da família, sendo possível notar as semelhanças do precoce fotógrafo com Paul Wolff desde que começou a usar a câmera presenteada pelo pai (mais tarde ele adotaria Wolff como referência num calendário da Pirelli).

Acima de tudo, as fotos de Flieg são marcadas pela arquitetura da luz, que o fez valorizar os cristais da Prado, os móveis de Zanine, os prédios de Artacho Jurado, Rino Levi e Oscar Niemeyer.”Nunca gostei de flash, usava lâmpadas normais”, revela. Nem precisava. Hans Günter Flieg, decididamente, tem luz própria. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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