Haverá prejuízo, mas não acredito que será grande, diz presidente do COB

O adiamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020 para 2021 foi comemorado pelo COB (Comitê Olímpico do Brasil), mas vai custar caro. O presidente da entidade, Paulo Wanderley, admite que a previsão de despesas com o evento (R$ 40 milhões) inevitavelmente será ajustada para cima e que seu maior adversário no momento é o dólar, que não para de subir por causa da pandemia do novo coronavírus – a moeda norte-americana fechou a quarta-feira valendo R$ 5,26 na cotação comercial, um recorde.

Apesar disso, o ex-presidente da Confederação Brasileira de Judô (CBJ), que comanda o COB desde 2017, está aliviado com a decisão do Comitê Olímpico Internacional (COI) e do governo japonês de mudar a data do evento. Segundo ele, o novo cenário vai dar tempo aos atletas para fazer uma preparação adequada para os Jogos e à sua entidade para buscar novos patrocinadores.

Essa procura por mais dinheiro, aliás, será mesmo necessária. Afinal de contas, mais de 95% da receita total do COB para 2020 (R$ 322 milhões) sairia das loterias da Caixa Econômica Federal e é certo que, por causa do novo coronavírus, o volume de apostas vai cair. Ainda assim, e apesar da disparada do dólar, Paulo Wanderley diz em entrevista exclusiva ao <b>Estado</b> que a entidade está preparada para enfrentar a crise e que ela não deverá afetar o desempenho dos atletas brasileiros em Tóquio.

<b>O COB já contava com o adiamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio para 2021 ou essa decisão foi uma surpresa?</b>
Fomos uns dos primeiros a dar a sugestão do adiamento. Nas Américas, fomos os primeiros a sugerir e era só isso mesmo o que poderíamos fazer, dar uma sugestão. Pedimos também que, em 2021, os Jogos ocorressem na mesma época em que ocorreriam neste ano (ente julho e agosto) e foi o que aconteceu. Isso foi muito importante para minimizar os prejuízos causados pelo adiamento. Evidentemente, recebemos muito bem a notícia, e os atletas também, não vi nenhum deles reclamando. É claro que há várias questões a serem resolvidas, como no caso do futebol masculino, que tem o problema do limite de idade (até 23 anos), não sei se isso será ajustado. Mas esse assunto não deve ser decidido por nós, nem mesmo pelo COI, quem resolve isso é a Fifa.

<b>Em algum momento foi cogitado fazer a Olimpíada em outra época do ano?</b>
Houve especulações sobre a realização dos Jogos no primeiro semestre para evitar o problema do calor no Japão, que é forte em julho e agosto, mas não ouvi isso de ninguém da organização. Creio que eles sempre pensaram em realizar o evento na mesma época do ano e eu não tenho a mínima dúvida de que essa foi a melhor decisão.

<b>A mudança de data vai causar grande prejuízo financeiro ao COB?</b>
Nós já contratamos fornecedores para atender às delegações, já havíamos mandado pessoas de logística ao Japão para cuidar da preparação para os Jogos, portanto é dinheiro que já foi gasto. E que terá de ser gasto de novo, porque vamos ter de mandar gente para lá novamente no ano que vem. Haverá prejuízo, sim, embora no momento não seja possível medir o tamanho dele. Mas não creio que será grande, não será nada capaz de nos levar a uma situação de insolvência.

<b>O que faz você acreditar nisso?</b>
Uma das maiores rubricas de investimento do COB para os Jogos foram as passagens aéreas, afinal de contas levaremos a Tóquio uma delegação formada por mais de 500 pessoas. O pagamento dessas passagens já foi efetuado e conseguimos negociar com a companhia aérea contratada (Air Canada) a manutenção total do acordo, apenas com a mudança das datas. Foi um espetáculo, e é claro que o fato de o local e a época do ano dos Jogos terem sido mantidos foi fundamental.

<b>O prejuízo pode até não ser grande, mas é certo que o mundo viverá uma grave crise financeira quando a pandemia do coronavírus acabar. Isso não lhe preocupa nem um pouco?</b>
É claro que todo gestor se preocupa com a economia, não dá para esconder isso. Todas as economias do mundo estão preocupadas. A nossa maior preocupação é com a alta do dólar porque isso impacta diretamente em passagens, estadia, alimentação, tudo é em dólar. O câmbio é a grande dor de cabeça para nós. Eu estou na torcida para que, quando a pandemia acabar, o dólar volte pelo menos ao patamar em que estava em outubro do ano passado, quando fizemos nosso planejamento financeiro para os Jogos. Algo em torno de R$ 4,20.

<b>Se isso não ocorrer, ou seja, se o dólar continuar em um patamar superior a R$ 5 após a atual crise, o COB terá problemas graves?</b>
Quando eu assumi a presidência, em outubro de 2017, foram adotadas medidas de controle, de otimização de custos, e isso nos deu a chance de nos preparar para um momento ruim. Temos contingenciamento, podemos aguentar uma diminuição de recursos graças à austeridade que foi implantada na entidade, mas isso não quer dizer que estejamos num mar de tranquilidade, é claro que existe preocupação.

<b>É certo que a crise derrubará o volume de apostas nas loterias da Caixa, fonte vital de recursos para o COB. Isso será um grande problema para a entidade?</b>
Eu sempre digo que o grande patrocinador do esporte olímpico brasileiro é quem aposta nas loterias da Caixa. Como as pessoas estão em casa, é natural que a arrecadação caia. E é claro que haverá uma influência negativa. Ainda não temos uma dimensão do impacto desse problema, mas haverá uma diminuição, sim.

<b>O adiamento dos Jogos terá alguma influência na busca do COB por patrocinadores?</b>
A prospecção por recursos é diária, temos gente no COB que trabalha exclusivamente na busca de novas fontes de receita. É claro que não será fácil, mas não perdemos a expectativa de conseguir algo até os Jogos. Por incrível que pareça, nesse aspecto o adiamento da Olimpíada pode ter um efeito positivo, pois teremos mais tempo para prospectar, para sensibilizar mais empresas a nos apoiar.

<b>Você garante que, apesar dos problemas financeiros causados pelo coronavírus, os atletas brasileiros terão em 2021 exatamente as mesmas condições que teriam neste ano?</b>
Não posso garantir nada, mas a intenção é essa, manter todos os projetos de intercâmbio, de assistência aos atletas, enfim, tudo o que estava programado para este ano.

<b>Os critérios de classificação para os atletas que ainda não garantiram vaga no evento serão mantidos?</b>
Estamos todos trabalhando dia e noite nessa questão. Segundo o COI, 57% das vagas dos Jogos já estão preenchidas e os donos dessas vagas estão garantidos para 2021, isso é certo. E os atletas que ainda não conseguiram se garantir vão entrar em processos classificatórios que serão definidos pelas federações internacionais. O Brasil, por exemplo, tem 178 lugares já confirmados e nós deveremos levar a Tóquio um número de atletas entre 250 e 280. A forma de preenchimento das vagas restantes será objeto de muitas discussões nos próximos dias, ainda estamos estudando se os critérios serão mantidos ou se será necessário fazer alguma adaptação.

<b>No que se refere ao rendimento dos atletas, o adiamento será bom ou ruim para os Jogos?</b>
Agora nós temos mais de um ano até os Jogos e os estudiosos terão, portanto, um tempo mais do que suficiente para reprogramar os treinamentos dos competidores. Sendo assim, se o adiamento tiver alguma influência nesse campo, será positiva. Agora os atletas terão um pequeno período de férias e, na sequência, poderá ser feita com calma uma nova periodização de treinos.

<b>A mudança de data pode provocar alguma alteração no equilíbrio de forças dos Jogos? Algum país será especialmente beneficiado ou prejudicado?</b>
Não, eu acredito que as grandes forças serão mantidas. Já sabemos quais são elas: os Estados Unidos, o Japão, a China, algumas poucas nações da Europa… O impacto para elas tende a ser maior do que para os demais países, mas elas também têm mais recursos para lidar com o problema. E os países pequenos vão contar com a ajuda do Solidariedade Olímpica, programa do COI que socorre comitês com menos recursos, então a relação de forças em Tóquio deverá ser a mesma de sempre.

<b>Você acredita que o mundo verá no ano que vem uma Olimpíada tão boa quanto seria em 2020?</b>
Tenho certeza de que Tóquio-2020 (o nome do evento foi mantido, apesar do adiamento) vai dar um ippon (golpe perfeito do judô, que encerra a luta) no coronavírus. Será o primeiro grande evento mundial depois dessa crise e tenho certeza de que será sensacional.

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