O Palácio do Planalto reagiu em tom de ameaça à decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, de encaminhar para análise da Procuradoria-Geral da República pedido de apreensão dos celulares do presidente Jair Bolsonaro e seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). Na tarde de ontem, o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), assinou uma nota afirmando que se o pedido "inconcebível e inacreditável" for aceito poderá ter "consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional".
A "Nota à Nação Brasileira", como o comunicado foi chamado por Heleno, foi autorizada pelo presidente e chancelada pelos ministros militares que despacham no Planalto. "Eu olhei e falei: o senhor fique à vontade", relatou Bolsonaro numa entrevista na noite de ontem. "Agora, peraí: um ministro do STF querer o telefone funcional de um presidente da República que tem contato com líderes do mundo tá de brincadeira, comigo?", emendou.
O ministro da Defesa, Fernando Azevedo, também endossou a nota antes da divulgação. "A simples ilação de o presidente da República ter de entregar o seu celular é uma afronta à segurança nacional", afirmou ao <b>Estadão</b>.
Em reação ao Planalto, o gabinete do ministro Celso de Mello divulgou nota para observar que as críticas do governo foram precipitadas, pois ele limitou-se a encaminhar ao procurador-geral, Augusto Aras, pedido de apreensão dos aparelhos feito pelo PDT, PSB e PV no âmbito do inquérito que apura denúncias do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro de interferência de Bolsonaro na Polícia Federal. "Vê-se, portanto, que o Ministro Celso de Mello nada deliberou a respeito nem sequer proferiu qualquer decisão", informou.
Na nota que gerou a mais recente crise entre os poderes, Heleno escreveu que o pedido de apreensão do celular do presidente é "inconcebível" e "inacreditável". "Caso se efetivasse, seria uma afronta à autoridade máxima do Poder Executivo e uma interferência inadmissível de outro poder, na privacidade do Presidente e na segurança institucional do País", ressaltou. "O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República alerta as autoridades constituídas que tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional."
A reação ao ministro do GSI dominou as redes de políticos e militantes. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a nota de Heleno prejudica a estabilidade do País. "Não pode ter ameaça ou agressão, porque isso fragiliza a relação com as instituições", disse Maia.
Por sua vez, o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz ressaltou o "anacronismo" do general. "Saia de 64 e tente contribuir com 2020, se puder", escreveu no Twitter. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou que a fala de Heleno foi desrespeitosa e autoritária. Já o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), escreveu que nenhuma autoridade está imune a investigações ou acima da Lei.
<b>Intromissões</b>
Militares de fora do Planalto ouvidos pelo <b>Estadão</b> se queixaram das "constantes intromissões" do Judiciário em decisões do Executivo. Eles avaliaram que há um "nítido" objetivo político de atingir o governo e o presidente.
Ainda pela manhã, Carlos Bolsonaro já se manifestava no Twitter contra Celso de Mello. "Meu celular? (…) Que crime teria cometido para tamanha velocidade e abuso? Nenhum. A narrativa do sistema continua em pleno vapor!", escreveu.
Com o passar das horas, a temperatura política na Praça dos Três Poderes, que abriga de um lado o Planalto e do outro o Supremo, se elevou ainda mais. Celso de Mello divulgou, pouco antes das 17 horas, o áudio da reunião de Bolsonaro com ministros, no dia 22, em que o presidente teria deixado claro uma interferência na Polícia Federal. Nesse mesmo encontro, Bolsonaro propôs armar a população para evitar contra prefeitos e governadores que decidiram pelo isolamento no combate ao novo coronavírus e chegou a defender o uso das Forças contra outros poderes.
Numa entrevista no começo da noite à Rádio Jovem Pan, veículo de direita, Bolsonaro afirmou que não é "rato" para entregar seu aparelho à Justiça. "Tá na cara que eu jamais entregaria meu celular. A troco de quê?", disse. Por fim, na portaria do Palácio da Alvorada, Bolsonaro voltou a criticar o ministro do Supremo. "O que parece que Celso de Mello quer é que fique cozinhando a entrega o meu telefone. Ninguém vai pegar meu telefone. Mais ainda, senhor Celso de Mello, está no Supremo o pedido para abrir o sigilo dos advogados do Adélio. O Brasil quer saber", disse, referindo-se a Adélio Bispo, que o esfaqueou na campanha de 2018.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>