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HISTÓRIA – Última viagem de Álvaro Mesquita faz quatro anos

Com sua morte, o Ford 1929 de seus passeios pelas ruas da cidade foi para um museu.

Um cavalheiro de gravata borboleta e chapéu palheta, calça risca de giz, paletó preto, passeava pelas ruas de Guarulhos nas manhãs de domingo, com seu Fordinho 1929. Muitas vezes levava seus netos. As pessoas acenavam para ele, das calçadas. Em resposta, ouviam a buzina rouca (arrúúúa) dos carros antigos. Todos sabiam que ali ia Álvaro Mesquita, um dos comerciantes mais antigos da cidade. Há quatro anos a buzina silenciou.


Álvaro faleceu em 25 de abril de 2009, aos 87 anos. No dia seguinte, domingo, o corpo foi levado do velório para o cemitério central. Curto trajeto, vencido a pé. À frente ia o Ford 1929, dirigido por um empregado da família. Eram onze horas, a mesma em que Álvaro fazia seus passeios.


No ano em que o Fordinho foi fabricado, a economia mundial mergulhou na Grande Depressão. Naquela época, o pai de Álvaro, Otávio Braga de Mesquita, tinha um armazém em Duartina, no oeste paulista, a 360 quilômetros da Capital. Vendia para os fazendeiros de café, e recebia o pagamento quando estes colhiam a safra. Com a crise, não houve pagamentos. Otávio vendeu até os cavalos e a criação, para pagar os credores. Da noite para o dia, era um homem pobre, com seis filhos.


Um deles, Álvaro, nascera em Piratininga, na região, onde a família morara antes. Otávio foi trabalhar na fazenda de seu sogro, na mesma Duartina. Sem privilégios, como empregado comum. Em 1941, mudou-se com a mulher e a prole para uma outra fazenda do sogro, a Bela Vista, de cem alqueires, em Guarulhos (hoje um bairro com o mesmo nome).


Mal chegados, Álvaro, com seus 19 anos, fundou seu primeiro negócio. Com o irmão Carlos, o Carlito, abriu um armazém de secos e molhados numa rua central, a Monteiro Lobato. Casa modesta, mas floresceu. Em pouco tempo, Álvaro mudou para a rua principal, a D. Pedro II. Numa esquina, a um quarteirão da igreja matriz, abriu o armazém Mesquita e Marques, de secos e molhados. João Marques, o novo sócio, viria a ser vice-prefeito.


Vendiam de tudo: sacarias, cereais, ração para animais. Os negócios iam bem, e melhoraram com as primeiras providências para a construção da Via Dutra, que seria inaugurada em janeiro de 1951. Os trabalhadores da obra se abasteciam no armazém. Entre estes os carroceiros, contratados para movimentação da terra. Eles, e seus cavalos, precisavam comer.


Na rua D. Pedro II, bem perto do armazém, viviam o tesoureiro da prefeitura, Vasco Brancaleoni, e sua mulher, Zélia. O casal tinha duas filhas. Uma delas, Maria Lygia, era uma professorinha, por quem Álvaro logo se encantou. Ela lecionava num bairro distante, onde não chegava condução. Assim, o pai de uma das alunas, o chacareiro Vital, que plantava flores, levava-a em sua charrete, e depois a trazia de volta.


Álvaro não perdia a passagem da charrete pela porta de seu armazém. Certo dia, soube que a amada – sim, era amor – iria de jardineira para a Penha. Tomou ele também o pequeno ônibus, só para admirá-la. Na viagem de volta, coincidência… lá estava Álvaro. Um ano depois, as portas da igreja matriz se abriram para celebrar o casamento do próspero comerciante com a filha do tesoureiro municipal. O dia terminou com duas celebrações, a do casamento e a da passagem de ano. Era 31 de dezembro de 1949.


A casa dos sogros tinha uma parte, na frente, alugada para o comércio. Em 1952, Álvaro desfez a sociedade com João Marques, e se estabeleceu nesse lugar, agora com uma casa de caça e pesca. O que não faltava em Guarulhos era mata; e o Rio Tietê, não muito distante, tinha águas limpas.


Nos anos seguintes a loja se expandiu, e tomou toda a a área da casa dos sogros, que haviam se mudado. Em 1972, transformou-se na Comercial Mesquita, com ferramentas e ferragens, mas também utilidades domésticas e presentes finos, entre uma grande variedade de artigos. Era térrea, ganhou seis andares.


A loja pertencia ao mais novo dos três filhos do patriarca, Luis Roberto Mesquita. Álvaro havia dividido seus bens com os filhos: Luis, a psicóloga Eliana Mesquita, e o pediatra Álvaro Mesquita Júnior. Luis, 50 anos, trabalhou 32 com o pai, na loja. "O comércio exige muito sacrifício", comentava. Acabou por fecha-la. O prédio foi alugado para a rede de perfumaria Sumirê.

Matéria atualizada, publicada pelo autor no Diário do Comércio. 

 HISTÓRIA – O Fordinho de Álvaro Mesquita na verdade são dois.

 

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