Mundo das Palavras

Histórias contadas por jornais

Jornais e revistas nunca cansam seus leitores por infindáveis que sejam as histórias de aventureiros, criminosos, atores, cantores e, de modo geral, de personalidades públicas amadas ou odiadas, em suas páginas. A narrativa é, sem dúvida, uma estrutura de texto especialmente valorizada na “conversa”, se podemos chamar assim a comunicação, estabelecida por meio das publicações, entre jornalistas e seus leitores Como, aliás, ocorre, frequentemente, no convívio entre quaisquer pessoas.


O uso intensivo desta estrutura de texto na imprensa traz de volta uma antiga questão: a da relação do texto com a realidade. Ou, para usar a linguagem dos especialistas, a da relação do texto com o referente, o contexto extraverbal.


A maneira como o real surge num conto, numa peça teatral ou num filme parece ser diferente da maneira como ele se manifesta numa narrativa de jornal, diz Jules Gritti no ensaio “Uma narrativa de imprensa: os últimos dias de um ‘grande homem’”. Enquanto a primeira maneira provém de uma criação de fábula, a segunda é comandada pelos acontecimentos no seu dia-a-dia, diz ele. No entanto, seja a ação representada ou a ação vivida, todas caem na mesma categoria,  Gritti acrescenta. “No instante em que o acontecimento é apresentado, o vivido transmuda-se em representação, o dado circunstancial é apreendido segundo as ‘categorias’ da narrativa”, ele assegura.


Cremilda Medina, jornalista atuante e uma das maiores teóricas do Jornalismo no Brasil, tem a mesma visão. E a explicita de modo mais claro. Para ela, narrar alguma história não é mais viver esta história. A criação da narrativa só ocorre num momento posterior da vivência daquilo que ela contém. E neste momento há a passagem fundamental do vivido para uma realidade substitutiva – a do universo de símbolos, verbais naturalmente, com características e funções próprias. E as características e funções do universo dos símbolos são as mesmas, tanto numa narrativa inteiramente ficcional, como numa narrativa jornalística. “Uma reportagem, uma entrevista ou série de entrevistas, uma vez obtidas em campo (o Real) são estruturadas em um texto”, diz Medina em “Entrevista, o diálogo possível”. E, ela acrescenta, ao estruturarmos nosso texto entramos no mundo das representações simbólicas, no caso, o das palavras. “O jornalista-autor dessa representação será o que Renato Cruz, em “Cultura brasileira & Identidade nacional”, denomina de mediador simbólico”, lembra Medina.


Neste aspecto, portanto, o de exigir habilidade no trato das palavras – isto é no trato das representações simbólicas – a narrativa bem estruturada, por isto capaz de prender a atenção e emocionar, aproxima dois tipos de criadores de textos, aparentemente muito distanciados entre si. O contador de histórias dos finais de tarde, nas praças de cidades pequenas do interior, e, o jornalista-escritor bem sucedido das grandes publicações das metrópoles do Brasil. Ambos têm públicos cativos, fiéis. O que revela o encantamento eterno mantido por esta estrutura de texto.            


 


Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP

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