Os Jogos Olímpicos de 1996, em Atlanta, foram definitivamente marcantes para o basquete brasileiro. A seleção feminina subiu ao pódio e conquistou a medalha de prata, perdendo apenas a final para os Estados Unidos. Mas, apesar de não ter levado o ouro, o segundo lugar significa muito e marca o nome de uma geração de jogadoras na história do esporte no Brasil.
Apesar de não se sagrarem campeãs, as atletas mostraram a força daquela geração, tendo ido de forma invicta até a final. As comandadas pelo técnico Miguel Ângelo da Luz já haviam levado o ouro no Mundial de dois anos antes, em final também contra as norte-americanas. A prata na Olimpíada completa uma coleção de medalhas especiais para aquele time histórico.
Com jogadoras históricas como Magic Paula, Janeth Arcain, Marta Sobral, e tantas outras, uma que guarda a conquista do segundo lugar com um carinho especial é Hortência. Apelidada de "Rainha", ela decidiu por disputar a competição após um hiato de 14 meses longe das quadras, que envolveu o nascimento de seu filho, João Victor Marcari, atleta de hipismo do Brasil. Logo após o pódio, optou pela aposentadoria.
Em entrevista ao Estado, Hortência relembra como foi conquistas a medalha de prata contra os Estados Unidos, além de exaltar a união daquela equipe, e esboça um panorama do cenário do basquete feminino atual e das complicações que a pandemia do novo coronavírus podem ter no esporte mundial.
Com uma carreira tão brilhante como foi a sua, reconhecida mundialmente e com lugar garantido nas discussões de melhoras jogadoras de basquete de todos os tempos, olhando para trás, o que significa aquela medalha de prata na sua coleção de conquistas?
É uma sensação indescritível. Encerrei a minha carreira em uma final olímpica e ainda conquistando uma medalha. Foi sensacional.
Apesar da medalha de prata, para você é possível afirmar que foi encerrar a carreira da melhor maneira possível após duas décadas na seleção? Foi uma realização para você?
Com certeza. Me considero uma pessoa abençoada por ter conseguido viver todas essas emoções que muitos atletas desejam.
Depois de chegar tão longe, você pensou em estender um pouco mais sua carreira como jogadora profissional?
A minha ideia sempre foi parar no auge e aquele momento, depois da conquista de uma medalha olímpica, foi a hora certa. Campeã do mundo, campeã Pan-americana e vice-campeã olímpica. Em 1996 teve início a WNBA e, nesta época, eu já estava draftada por eles. Mesmo assim não quis mudar os meus planos. Já estava completamente realizada.
Como foi a sua decisão de retornar às quadras depois de um tempo de hiato, por conta da maternidade? Você chegou a pensar em não voltar mais? Qual foi seu maior desafio nesse retorno?
Eu já tinha parado porque queria ser mãe e, após a maternidade, surgiu uma pressão para que eu voltasse a jogar. Decidi aceitar o desafio por pensar que, caso não fosse, perderia uma grande chance de conquistar uma medalha olímpica. Decidi não correr o risco de ficar fora e acabamos conquistando a medalha de prata.
Naquela época, dava para ter dimensão da importância da medalha de prata? O quanto os Estados Unidos agregam de valor nessa conquista, depois de uma campanha invicta até a decisão?
Qualquer medalha, seja ela qual for, sempre é importante. Fica marcada para o resto da vida. Ainda mais em uma edição de Jogos Olímpicos dentro dos Estados Unidos. Foi ainda mais importante.
A conquista do Mundial dois anos antes foi algo que inspirou vocês em 1996?
Tínhamos consciência de que estávamos em outro patamar. Por termos vencido o Mundial, virou questão de honra para as americanas superar o Brasil. Os olhares e o respeito dentro de quadra, em relação ao basquete brasileiro, mudaram muito depois daquela conquista.
Quais as principais lembranças que você tem daquela prata?
Logo depois da conquista da prata, a minha cabeça virou um trevo. Um misto de sensações. Alívio por termos conseguido a medalha, mas ao mesmo tempo lembrei que não entraria mais em uma quadra para jogar.
Para você, qual foi o diferencial para o time chegar onde chegou, disputando uma final contra as donas da casa?
Com certeza a maturidade de todas as jogadoras naquele momento. Sabíamos da importância de uma medalha para o basquete brasileiro e tínhamos a certeza de que estávamos prontas. Entendemos que o trabalho em equipe, com todas as jogadoras dando o seu máximo, ajudando umas às outras, seria fundamental para triunfarmos.
Como você avalia o trabalho do basquete feminino hoje? É possível imaginar um cenário a curto/médio prazo em que o time do Brasil se torne referência ou, na sua opinião, é preciso uma renovação?
Nesse momento, em que a economia sofre e as empresas não estão investindo, o cenário é ruim. Demos um grande e importante passo com a entrada do José Neto, um técnico com uma mentalidade diferente. Vamos aguardar os próximos passos, após a pandemia. Renovação e investimento na base são sempre fundamentais.
Sobre o trabalho do José Neto: ele é um bom nome a se depositar confiança? Como você avalia o trabalho dele?
Ele deu uma cara nova ao basquete feminino. Chegou e já trouxe uma medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos. Mas precisa ter estrutura para colocar o seu projeto em prática.
Como você vê o cenário esportivo nestes tempos de pandemia? Qual o impacto que o adiamento da Olimpíada tem na sua opinião e o que vai mudar após isso?
Essa análise é complexa, pois ainda estamos no meio da pandemia e não sabemos quando isso vai terminar. Caso os Jogos Olímpicos realmente aconteçam no ano que vem, muitos atletas podem não conseguir alcançar seus índices ou o seu ápice. Muitos também acabaram perdendo seus patrocínios. Temos mesmo que aguardar para ver como ficarão as coisas.