Estadão

Ibovespa acentua perda a 2,12%, abaixo dos 104 mil, com foco no Planalto

Dados decepcionantes sobre a produção da Vale (ON -2,92%), divulgados na noite anterior, e um quadro macro turbulento, agravado à tarde com a revelação de que o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias, esteve no Palácio do Planalto no 8 de janeiro, mantiveram o Ibovespa em espiral negativa nesta quarta-feira, em que o mercado também digeriu, com amargor, os detalhes do arcabouço fiscal, encaminhado ontem ao Congresso Nacional. No fim da tarde, veio a confirmação da demissão do ministro, a pedido – a primeira baixa na equipe do presidente Lula, no que foi seu 109º dia de governo.

Assim, o Ibovespa, que havia conservado a linha dos 106 mil pontos nas seis sessões anteriores mesmo quando o sinal se mostrava negativo, desceu hoje três andares, aos 103.912,94 pontos no fechamento, em queda de 2,12%, a maior desde 23 de março (-2,29%). Na semana, o índice acumula perda de 2,23%, reduzindo o ganho do mês a 1,99% – no ano, o Ibovespa tem retração de 5,31%. O giro financeiro de hoje ficou em R$ 24,3 bilhões, um pouco acima do que tem sido visto recentemente.

"Dia bem estressado, com frustração do mercado sobre o arcabouço fiscal. Mudança de última hora abriu 13 pontos de exceção à regra, e a sensação é de que haverá furos, não será cumprida mais uma vez, da forma como se viu em anos recentes em que se rompeu o teto. O que veio ontem acabou sendo uma cortina de fumaça", diz Alan Dias Pimentel, especialista em renda variável da Blue3 Investimentos.

"Ficou claro para o mercado a dificuldade de se mexer em todas as vacas sagradas, todos os beneficiários de isenções, e fazer com que a arrecadação cresça. Até agora tem sido dito que não se mexerá em alíquotas de tributação. É uma resposta fiscal que deixa insegurança muito grande, e uma compensação para não cumprimento das regras muito ruim, e não crível. Governo tem necessidade de novos gastos e não tem um caminho fácil pela frente – provavelmente se chegará ao fim do mandato com uma relação dívida/PIB maior do que se gostaria", diz Ricardo Campos, sócio e diretor de investimentos da Reach Capital.

"Semana tensa e insegurança grande, com ápice hoje. Os investidores estão cansando de esperar por decisões do governo. Todos aguardavam a formalização do arcabouço fiscal, que veio com atraso e com surpresa que ninguém gostou: regra muito aberta, passível de aumento de despesas públicas", diz Eduardo Cavalheiro, sócio e gestor da Rio Verde Investimentos.

"Em vez de retomar segurança com o arcabouço, o governo está injetando incerteza no mercado", acrescenta Cavalheiro, observando o prolongamento do estresse na curva de juros desde a última segunda-feira e a retomada do câmbio, com o dólar de volta ao patamar de R$ 5, movimento que afeta em especial as ações de empresas com exposição a juros e crédito, como as de varejo e construção.

"O que eu vejo, em conversas com colegas, é que pouca gente está disposta a pagar pra ver", aponta o gestor, referindo-se também a ruídos que começam a chegar de um front que vinha se mostrando mais pacificado, após a turbulenta abertura de ano. "O relato, que circulou na imprensa, de que tem gente do governo atual envolvida no 8 de janeiro não afetaria tanto normalmente, mas acabou impactando bastante hoje, em um dia que já era ruim", observa.

"No cenário institucional, a divulgação de vídeo mostrando o ministro do Gabinete de Segurança Institucional circulando pelo Palácio do Planalto no dia da invasão aos Três Poderes, de 8 de janeiro, aumentou a incerteza sobre a estabilidade do ambiente político institucional – em um momento-chave para a aprovação da nova regra fiscal, que abriria espaço para discussões mais estruturais como a reforma tributária", pontua em nota Rachel de Sá, chefe de economia da Rico Investimentos.

Assim, a possibilidade de um novo ruído no relacionamento do governo com as Forças Armadas, no momento em que se prepara para articular com o Congresso a tramitação do arcabouço fiscal, jogou gasolina em uma tarde na qual o mercado já vinha ponderando, muito negativamente, a direção dada pela equipe econômica às contas públicas nos próximos anos.

Hoje, em evento em Londres, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, reiterou que o projeto de arcabouço fiscal é "bastante razoável", mas ponderou ser preciso acompanhar a tramitação da proposta. "Há incerteza sobre como será aprovado e em qual velocidade", disse Campos Neto, em reunião com investidores organizada pelo European Economics & Financial Centre (EEFC).

Campos Neto disse também que o processo de desinflação está mais lento do que o esperado diante da taxa de juros, e que não tem certeza se alguns elementos da inflação vão continuar melhorando no mesmo ritmo visto agora. Ele ponderou que, em termos de política monetária, é necessário observar mais dados e acompanhar a dinâmica inflacionária, até porque há incerteza sobre alguns preços importantes, como o petróleo.

No arcabouço, "voltar atrás na taxação de importações abaixo de US$ 50 por parte do governo causa uma piora na perspectiva fiscal, além de trazer quedas para empresas do setor, como a Renner (-5,48%), nesta quarta-feira", aponta Matheus Sanches, analista da Ticker Research, destacando queda, hoje, concentrada em "nomes mais alavancados e sensíveis aos juros", como Via (-6,74%), bem como para empresas de "crescimento", como Petz (-4,86%) e Rede D Or (-2,55%).

Na ponta perdedora do Ibovespa, além de Via e Renner, destaque nesta quarta-feira para Carrefour Brasil (-8,37%), Magazine Luiza (-8,19%), Yduqs (-7,07%), Eztec (-5,91%) e MRV (-5,29%). No canto oposto, apenas oito ações do Ibovespa conseguiram encerrar o dia com ganhos, tendo Sabesp (+1,16%), Embraer (+0,83%) e Klabin (+0,53%) à frente. Entre as blue chips, em dia de queda na casa de 2% para o petróleo, Petrobras ON e PN cederam, respectivamente, 3,19% e 3,21%. Entre os grandes bancos, as perdas do dia ficaram entre 0,22% (Unit do Santander) e 1,95% (Bradesco ON).

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