Estadão

Ibovespa cai 2,75%, a 107,7 mil pontos, no menor nível desde novembro

O pacote de bondades sendo costurado pelo governo, com Auxílio Brasil a R$ 400 sem fonte definida de custeio e ajuda de última hora, anunciada no período da tarde pelo presidente Jair Bolsonaro, ao diesel consumido pelos caminhoneiros autônomos, para evitar paralisação que havia sido convocada para 1º de novembro, foi recebido pelo mercado com uma apreensão: a de que o manche foi assumido de vez pela ala política para viabilizar a reeleição em 2022.

Assim, no pior momento, com dólar perto de R$ 5,70 na máxima do dia, o Ibovespa mergulhou 4,58%, a 105.713,81 pontos, menor nível intradia desde 20 de novembro de 2020.

O índice encerrou esta quinta-feira um pouco mais "acomodado", em queda de 2,75%, a 107.735,01 pontos, mínima de fechamento desde 23 de novembro (107.378,92), sem condição de notar a máxima histórica intradia do S&P 500, renovada à tarde e confirmada também no encerramento. O CDS de 5 anos, medida de risco-país, foi ao maior nível desde o fim de março, com a deterioração da perspectiva fiscal doméstica. Na semana, as perdas do Ibovespa chegam agora a 6,03%, com as do mês a 2,92% – no ano, o índice cede 9,48%.

Na B3, apenas três ações da carteira Ibovespa conseguiram escapar da correção: Suzano (+1,65%) e BB Seguridade (+0,80%), com Klabin sem variação no fechamento desta quinta-feira, após chegar a sustentar algum ganho. As perdas em Petrobras foram a 3,38% no fechamento (PN), com queda de 1,64% em Vale ON, de até 5,41% na siderurgia (Usiminas PNA), até 6,95% em utilities (Cemig PN) e de até 4,24% (BB ON) entre os grandes bancos. Na ponta do Ibovespa, segundo dia de forte realização de lucros para a recém-estreante Getnet (-19,76%), seguida por Americanas ON (-10,76%) e por Banco Inter (Unit -10,70%).

Fortalecido, o giro financeiro foi a R$ 49,0 bilhões no encerramento, com o Ibovespa saindo de abertura a 110.767,14 pontos, correspondente por certo à máxima do dia – entre o pico e o piso da sessão, a variação foi de 5.053,33 pontos, ainda maior do que a de terça, quando o Ibovespa conseguiu conter perdas após o cancelamento de última hora da cerimônia em que seria feito o anúncio do Auxílio Brasil, em sinal percebido então como de força da equipe econômica na queda de braço com a ala política. Na quarta, pelo contrário, o índice quase zerou os ganhos no fechamento, com a reação inicial ao aceno do ministro Paulo Guedes (Economia), no fim da tarde, de que a política é quem tem voto e, portanto, a palavra final sobre o aconselhamento técnico – uma reviravolta recebida nesta quinta como traição no mercado.

Seja como excepcionalidade – waiver no termo usado na quarta por Guedes – ou como antecipação da revisão do teto de gastos, prevista para 2026, as palavras de quarta do ministro já contribuíam para firmar a percepção de que a política estaria ganhando a disputa contra a recomendação técnica, à medida que se aproxima a batalha eleitoral de 2022. Os desdobramentos desta quinta levaram esta percepção um pouco mais adiante.

"O impacto foi imediato, acentuando piora que já vinha do começo da semana, com os juros futuros impactados, em elevação muito rápida na curva – os prazos de 5, 6 anos, batendo acima de 12% ao ano, patamar que há três meses a gente jamais imaginava que fosse chegar. Obviamente, toda essa situação, de perda do alicerce fiscal, recoloca o Brasil em ciclo antigo, já conhecido, com relação à inflação e aos juros", diz Rodrigo Marcatti, CEO da Veedha Investimentos.

"Para o mercado, o que mais surpreende é que o que sempre tinha ali era a equipe econômica, o Paulo Guedes tentando segurar o ímpeto populista do governo, que pensa em eleição. Ontem, aparentemente ele jogou a toalha, tirando o time de campo com relação ao teto, ao falar que a política é quem manda. Aversão a risco total", acrescenta Marcatti, observando que a Bolsa tende a sofrer um pouco menos do que o câmbio e os juros, mas ainda assim realizando, pelo aumento da aversão a risco.

"EWZ (ETF de Brasil em Nova York) caindo praticamente 6% enquanto Ibovespa cedia 4% à tarde. Governo vendeu a alma para o Centrão, e perde a credibilidade que ainda tinha com o mercado financeiro brasileiro. Muito estresse na curva de juros, o principal termômetro da tensão no mercado, com o dólar também se valorizando, apesar da presença do BC nesta semana. O mercado é soberano, e esta semana pode ser um grande divisor de águas", diz Bruno Madruga, head de renda variável da Monte Bravo Investimentos.

"Movimentação vista nos últimos dias no governo já vinha sendo ensaiada, já vinha amadurecendo há algum tempo. Tanto o presidente como Guedes vinham abandonando o discurso de responsabilidade fiscal, sob pressão do Legislativo também. Até pela queda de popularidade de Bolsonaro, era de esperar que isso se intensificasse mesmo, com a proximidade das eleições", diz Paulo Duarte, economista-chefe da Valor Investimentos. "Mercados muito nervosos hoje, e se não houver uma correção de rumo pelo governo, a tendência é de que a reação se intensifique", acrescenta.

A licença temporária para gastar, sugerida no fim da tarde de quarta por Guedes para se ajustar à pressão política para viabilizar o Auxílio Brasil, em resumo, foi vista pelo mercado como licença para matar o teto de gastos, acentuando a pressão sobre os ativos brasileiros já esboçada na quarta à noite na negociação de futuros. De acordo com fontes ouvidas nesta quinta pelo Broadcast em Brasília, o acerto entre as alas política e econômica do governo é por mudar a correção do teto: com este entendimento, o governo terá mais R$ 83,6 bilhões de espaço no teto em ano eleitoral. O espaço considera nova correção do teto e o novo limite para os precatórios.

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