A quinta-feira bem negativa nos mercados da Europa e dos Estados Unidos já seria o suficiente para o Ibovespa buscar alinhamento ao dia anterior neste retorno de feriado combinado à véspera de fim de semana. E com outro feriado, na segunda-feira nos EUA, sem bolsa por lá, em celebração ao encerramento definitivo da escravidão no país, em 19 de junho de 1865, após a Guerra Civil. Sancionada como feriado pelo presidente Joe Biden, a data, conhecida como "Juneteenth", marca o momento em que se soube no Texas que todos estavam livres, ocasião que é celebrada pelos afro-americanos no país desde o fim do século 19, de acordo com relato do The New York Times.
Na sessão isolada desta sexta-feira, além do cenário externo, os investidores precisaram processar aumento de combustíveis, encaminhado ao longo do feriado e anunciado hoje pela Petrobras. Iniciativa que foi recebida pelo governo como afronta do presidente da estatal, José Mauro Coelho, ainda à espera de efetivação da troca de comando na empresa. O novo ajuste de preços vem no momento em que o Planalto pretendia capitalizar o teto do ICMS sobre combustíveis como linha auxiliar no controle da inflação, em tentativa, também, de reconquistar popularidade rumo à eleição.
O fogo cruzado contribuiu para abater as ações da Petrobras, que fecharam o dia com perdas na casa de 7% na ON (-7,25%) e de 6% na PN (-6,09%), carregando o Ibovespa de volta para os cinco dígitos, em nível não visto desde o começo de novembro de 2020, o primeiro ano da pandemia. Após rodar o dia com perdas acima de 3%, o índice encerrou esta sexta-feira em queda de 2,90%, aos 99.824,94 pontos, o menor nível de encerramento desde 4 de novembro de 2020 (97.866,81). Na mínima intradia, aos 98.401.73 pontos, desceu ao mais baixo patamar desde 5 de novembro do mesmo ano, então aos 97.872,27. A de hoje foi a maior queda em porcentual desde 26 de novembro passado (-3,39%) e, na semana, o recuo foi o mais acentuado desde outubro. Em sessão com vencimento de opções sobre ações, o giro de hoje foi a R$ 43,1 bilhões.
A perda da linha psicológica dos 100 mil pontos, um suporte que vinha sendo acompanhado de perto pelo mercado, colocou a retração acumulada pelo Ibovespa na semana a 5,36%, superando a queda de 5,06% vista na anterior – foi o terceiro desempenho semanal negativo seguido, em intervalo iniciado com leve ajuste de -0,75%. Em junho, o recuo do índice chega agora a 10,35%, superando a correção de 10,10% em abril, que havia sido o pior desempenho mensal desde o mergulho de 29,90% em março de 2020, no auge da aversão a risco relacionada à pandemia. No ano, a referência da B3 cede 4,77%.
A Selic a 13,25% ao ano, após o aumento de 0,50 ponto porcentual confirmado na noite da última quarta-feira, combinada à efetivação de aumentos nas taxas de juros de referência nos Estados Unidos e no Reino Unido, por si, já favoreciam a cautela dos investidores e o apetite pela renda fixa. O mal-estar quanto à extensão, ainda incerta, da elevação dos custos de crédito ao redor do mundo – em cenário, por um lado, de inflação ainda pressionada e, por outro, de dúvida quanto ao fôlego da retomada econômica – acende o sinal de que, ao fim, o que se colherá é a recessão,
"Os mercados globais seguem precificando o cenário de elevação nas taxas de juros e de aversão a risco. O Ibovespa trabalhou em forte queda desde a abertura, com poucas ações conseguindo operar em alta na sessão", em dia também desfavorável para o petróleo e o minério de ferro, observa Leandro De Checchi, analista da Clear Corretora
Assim, nesta sexta-feira, para além das perdas em Petrobras, ajustes fortes foram registrados em outros carros-chefes da Bolsa, como Vale (ON -5,22%), siderurgia (Gerdau PN -7,89%, CSN ON -5,13%) e, em menor medida, bancos (Bradesco ON -1,60%, Itaú PN -1,26%). Ainda assim, parte das ações do Ibovespa conseguiu se desvencilhar da correção e fechar em alta, com destaque para CVC (+11,19%), Qualicorp (+4,56%) e Alpargatas (+4,10%). Na ponta oposta, 3R Petroleum (-9,51%), PetroRio (-8,79%) e Gerdau Metalúrgica (-8,51%).
"O mercado viu o reajuste dos combustíveis como insuficiente porque a defasagem, para o preço internacional, já estava muito grande. O mercado viu como pouco reajuste, o que explica parte da queda – a outra é a aversão a risco, como um todo, que pegou hoje o petróleo também. O reajuste pesou, mas há um ambiente difícil para ações também lá fora", diz Wagner Varejão, especialista da Valor Investimentos. Ele acrescenta que a percepção dos investidores sobre a tensão entre governo e Petrobras é ruim.
"O mercado vê com maus olhos tantas trocas de presidente (na Petrobras), em claras tentativas de mexer na política de preços da empresa. O que tem ajudado um pouco é que o governo enfrenta extrema dificuldade de fazer isso (interferir no comando para tentar influenciar os preços) – o que mostra que a governança da companhia melhorou muito", conclui Varejão.