Estadão

ICMBio contraria técnicos para liberar fazenda de soja em corredor ecológico

A menos de dois meses de acabar a gestão Jair Bolsonaro, a presidência do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), ocupada pelo policial militar Marcos Simanovic, autorizou o andamento do licenciamento de uma grande fazenda de soja e milho, em um corredor ecológico no Piauí.

O Estadão apurou que a chefia do instituto rejeitou relatório técnico feito pelo próprio órgão, e que recomendava a rejeição da instalação da fazenda, por se tratar de área ambiental marcada pela presença de animais como a onça-pintada, além de ter riqueza de pinturas rupestres. A presidência do ICMBio, porém, deu sinal verde para que o processo continue. O instituto é ligado ao Ministério do Meio Ambiente.

A instalação da fazenda, que teria área total de 12,9 mil hectares, equivalente a 13 mil campos de futebol, ocorreria numa região entre o Parque Nacional da Serra da Capivara e o Parque da Serra das Confusões, no Piauí. É nesta área onde fica instalado, por exemplo, o Museu do Homem Americano, instituição que é dona de um dos maiores parques de pinturas rupestres do mundo.

O plano apresentado pela empresa Apesa Agropastoril Piauiense prevê que, do total da área, 6 mil hectares seriam destinados ao "plantio irrigado de soja e milho". Ao analisar o pedido, os analistas ambientais do ICMBio concluíram que se trata de área com a "vegetação nativa mais preservada do Corredor Ecológico" que interliga os dois parques federais e abriga diversas espécies de mamíferos em extinção, como a onça-pintada.

"O empreendimento proposto conflita diretamente com os objetivos de conservação almejados por implicar em perda e degradação de habitat, com efeitos sobre os grandes felinos e suas presas, e pode agravar o isolamento das populações conhecidas", afirmam, na conclusão do relatório ao qual a reportagem teve acesso. "Recomendamos que o Instituto opine pela incompatibilidade do empreendimento."

<b>Ameaça</b>

A rejeição à ideia de se erguer uma fazenda de soja e milho no corredor ecológico não se limita aos analistas ambientais do ICMBio. A Fundação Museu do Homem Americano, instituição sediada em São Raimundo Nonato, enviou um segundo parecer técnico ao Parque Nacional da Serra da Capivara, para respaldar seu posicionamento contrário ao projeto.

No documento, a fundação afirma que se trata de empreendimento "considerado altamente impactante ao patrimônio natural e cultural e contraditório no que diz respeito aos objetivos dos Parques Nacional e do Corredor Ecológico".

Marcos de Castro Simanovic, que está no ICMBio desde maio de 2019, faz parte do processo de militarização que tomou conta do órgão federal na gestão do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.

Antes de chegar à presidência, atuou na diretoria de Criação e Manejo de Unidades de Conservação do ICMBio. Com histórico controverso entre seus pares dentro do órgão ambiental, Simanovic já atuou diretamente para cancelar processos concluídos de autuações ambientais contra infratores, questionando pareceres de áreas técnicas do próprio ICMBio que já tinham transitado em todas as instâncias administrativas.

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