A ideia da Ocupação Elomar surgiu a partir de visitas (cerca de 15 viagens) que a equipe do Itaú Cultural fez às terras do compositor, arquiteto e fazendeiro na Gameleira, sertão da Bahia, a 22 quilômetros de Vitória da Conquista. O Itaú vai patrocinar parte da recuperação do acervo do artista, que vai ser alojado numa construção projetada pelo próprio Elomar, com catalogação, higienização (incluindo a recuperação de gravações em fitas cassete) e aclimatação adequadas, ao lado da Casa dos Carneiros e do Teatro Domus Opera, que ele próprio também projetou e foi destinado à montagem de óperas brasileiras.
Como as montagens realizadas no teatro, o acervo estará aberto ao público, então a Ocupação Elomar é uma espécie de amostra do que se pode ver na fonte inspiradora do artista. “Ele não é um fazendeiro fake, não é um sertanejo que usa chapéu para fazer tipo, ele vive o que canta e canta o que vive”, diz o filho João Omar.
Entre as músicas mais significativas de sua carreira, estarão disponíveis para audição em toca-discos de vinil no Itaú Cultural estão Campo Branco, Chula no Terreiro, A Meu Deus Um Canto Novo, Clariô, O Pedido, Cantiga de Amigo, Arrumação, Cantiga do Estradar. Nos concertos, além de alguns desses clássicos e temas que gravou com Heraldo do Monte, Arthur Moreira Lima e Paulo Moura no célebre álbum ConSertão (1982), há novas composições, como Salmo 23, e algumas do início da carreira, como O Robot e Mulher Imaginária, incluídas em seu derradeiro recital de canções ao lado do filho, Riachão do Gado Brabo, que começou na sala da Casa dos Carneiros em 2012, circulou por algumas cidades e chega ao disco este ano. “Estamos em fase de produção, já gravamos algumas músicas”, conta João Omar. “Têm canções inéditas, outras extraídas de peças de teatro dele, como Amarração (de O Mendigo e o Cantador) e até composições da fase da juventude, como Naquela Favela, que é bem um estilo clássico de samba.”
Rigoroso e radical nas atitudes concernentes à criação artística, política cultural e relação com a mídia e o mercado, Elomar é como o também baiano Dorival Caymmi (1914-2008): é o melhor intérprete do próprio e valioso cancioneiro. No entanto, em menor escala do que o conterrâneo, teve canções talhadas em outros moldes por diversas vozes agrestes, como Xangai, Dercio Marques (1947-2012), Diana Pequeno, Elba Ramalho e mais recentemente a portuguesa Susana Travassos.
“Acho que, como qualquer pessoa consciente de seu trabalho, meu pai detesta quando gravam errado melodias, harmonias, mas não tem muita resistência contra quem queira gravar as músicas dele”, diz João Omar, responsável pela curadoria da parte musical escrita da Ocupação. “No Japão, um grupo de rock underground gravou várias músicas dele sem autorização. Dois rapazes do Rio gravaram O Violeiro em ritmo de rap. Ele riu muito, achou hilário e absurdo, mas imagine que duas pessoas de um universo completamente diferente do dele tenham se interessado por sua música. Então, não tem problema, meu pai é muito aberto e receptivo a jovens que querem gravá-lo, mas boa parte deles é imatura, não tem qualidade artística. Agora, quando é um exemplo extremo como esse, ele acha interessante.”
Elomar já disse que identifica influências dele no trabalho de muitos artistas, mas prefere deixar que a “crítica do futuro” descubra, que a história conte. Porém, faz questão de enfatizar que nem todos que se interessam em gravar suas canções têm conhecimento profundo. São talentosos, mas a maioria, segundo ele, conhecem sua obra de ouvido. Curiosamente, o único que ele considera exceção nesse aspecto, não canta: é um jornalista mineiro chamado João Paulo.
Entre o trabalho na fazenda e a manutenção do acervo, Elomar encontra tempo para compor. “Nesse concerto do Ibirapuera, vamos tocar um aboio inédito e muito bonito dele”, diz João Omar. “Ele está animado em compor e realizar um sonho artístico. A composição é a grande tarefa para ele, sejam canções ou óperas.” A execução é algo consequente e há temas que só ele pode tocar, porque está muito ligada ao violão.
O compacto que Elomar gravou em 1968 deve ser o primeiro disco independente do Brasil, como lembra o filho. Em conversas com outras pessoas sobre a possibilidade de reeditar esses registros dos primórdios, Elomar já disse discordar, porque acha que não está cantando bem nas gravações. Outro projeto difícil de viabilizar é a montagem de suas óperas, e a de outros autores brasileiros, que há tempos vem planejando encenar no Teatro Domus Operae, construído com essa principal finalidade em sua fazenda.
Construído com recursos próprios no meio do campo, o teatro que lembra o Areópago de Atenas foi transformado em fabriqueta de laje. Foi fechado para encenações operísticas, diante da grande dificuldade de se realizar o Festival da Ópera Brasileira (que é a grande bandeira de Elomar), por falta de patrocínio e de interesse por essa arte no Brasil. Agora, Elomar, mais uma vez, surpreende com ímpeto empreendedor ao criar uma laje esbelta e revolucionária que vai ser patenteada com o nome de Kallu Guapa, segundo sua assessora Rossane Nascimento. E espera que, um dia, o governo tome alguma iniciativa como essa da instituição que se interessou por seu acervo, para então devolver ao Domus Operae a sua função nobre. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.