Com o avanço do número de casos confirmados do novo coronavírus no Brasil e a recomendação de que o isolamento social, na ausência de vacinas e tratamentos comprovados, é a principal medida para prevenir o contágio, o debate sobre a viabilidade das eleições municipais de outubro ganha cada vez mais espaço.
Mexer no calendário eleitoral, no entanto, não é de fácil implementação, seja do ponto de vista legal ou do político. Para o cientista político Jairo Nicolau, pesquisador da Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da FGV, a melhor solução seria tentar realizar o pleito até dezembro ou nas primeiras semanas de 2021. "Não vejo sentido em estender mandatos", disse ele.
Nicolau ainda considera um risco esvaziar por completo o fundo eleitoral. "Não deixar nenhum dinheiro para financiar campanhas é abrir as portas para o caixa 2 e para o sucesso dos candidatos ricos que podem se autofinanciar."
<b>Diante da pandemia, é possível dizer que as eleições já estão comprometidas?</b>
Precisamos de mais uns dias para avaliar melhor. Minha sugestão é que o Congresso Nacional e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) organizem uma comissão para avaliar a probabilidade de a eleição acontecer em 4 de outubro e pensar em alternativas. É preciso lembrar que o processo eleitoral demora meses, e algumas mudanças exigem emendas à Constituição. Para dar um exemplo: as convenções partidárias para escolha de candidatos devem acontecer até 4 de agosto. Será que é plausível reunir dezenas de pessoas para a escolha dos candidatos já no mês de julho e começo de agosto?
<b>Qual a melhor solução em caso de adiamento da eleição? Estender mandatos?</b>
A melhor solução seria tentar adiar para acontecer ainda esse ano, talvez em dezembro, ou, no máximo, nas primeiras semanas de 2021. Não vejo sentido em estender mandatos.
<b>O que acha da proposta de adiar o pleito para 2022?</b>
A ideia de adiar o pleito para 2022 é absurda. Os atuais prefeitos foram eleitos para ficar quatro anos, com possibilidade de reeleição. Particularmente, acho as eleições locais separadas das estaduais e nacionais excelente. Em 1982, tivemos a única experiência da história em que votamos para prefeito e governador – presidente ainda não era permitido – e não funcionou. A agenda dos temas municipais foi completamente apagada pela discussão dos temas estaduais. Uma eleição geral exigiria até nove escolhas do eleitor, e a discussão sobre os problemas municipais provavelmente vai ficar em segundo plano.
<b>Quem ganha e quem perde com o eventual adiamento das eleições municipais? O presidente Jair Bolsonaro, que não conseguiu montar um partido a tempo de participar da eleição em outubro, seria um dos favorecidos?</b>
O adiamento não significa uma mudança de outras partes da legislação. A lei diz que, para concorrer, um candidato deve estar filiado em um partido até 4 de abril desse ano. A meu juízo, não vejo justificativa para mudar essa regra. Portanto, o Aliança (pelo Brasil, partido que o presidente pretende criar) não está apto a concorrer. Não consigo ver nenhum partido ou político que ganhe ou perca com o adiamento do pleito.
<b>O fundo eleitoral pode ter sua finalidade modificada? Pode ser usado na Saúde, por exemplo?</b>
Nesta crise, todos os recursos públicos estão sendo alvo de escrutínio. O fundo eleitoral, cujo recurso será gasto somente no segundo semestre, poderia tranquilamente ser reduzido. Por conta da crise, provavelmente tenhamos menos candidatos concorrendo. Mas não deixar nenhum dinheiro para financiar campanhas é abrir portas para caixa 2 e para o sucesso dos candidatos ricos que podem se autofinanciar.
<b>O mesmo poderia ocorrer com o Fundo Partidário?</b>
Legendas utilizam recursos do Fundo Partidário para viagens, reuniões e seminários. Muitas dessas atividades estão suspensas. Como o recurso é distribuído ao longo do ano, creio que haja espaço para que parte do dinheiro tenha outro destino. Mas não saberia dizer como viabilizar isso em termos legais.