Os idosos e portadores de necessidades especiais em situação de miserabilidade têm o direito de receber um benefício assistencial pago pela Previdência Social. Chamado de Benefício de Prestação Continuada (BPC), foi instituído pela Constituição Federal e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).
Entretanto, o benefício é direcionado para idosos acima dos 65 anos e pessoas com deficiência, cuja renda por pessoa da família seja inferior a um quarto do salário mínimo vigente. Os especialistas ressaltam que, por se tratar de um benefício assistencial, não é necessário ter contribuído com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para ter esse direito.
O professor da Universidade Federal do Paraná e coordenador do livro obra Benefício Assistencial (Lei 8742/93), Marco Aurélio Serau Junior, observa que, por não exigir o recolhimento prévio de contribuições na Previdência Social, o BPC não oferece as mesmas vantagens dos benefícios do INSS. “É uma medida muito relevante de justiça social, que atende a uma população bastante marginalizada. Mas é um benefício de menor qualidade do que os previdenciários, porque não proporciona o pagamento de pensão em caso de morte do titular”, ressalta Serau Jr.
Atualmente, além da idade mínima de 65 anos, para ter direito ao benefício a pessoa não pode receber nenhum outro provento previdenciário. “Já os deficientes, além de comprovarem a renda mensal, devem também passar por uma avaliação para constatar se podem ou não ter vida independente e trabalhar. A avaliação é realizada pelo Serviço Social e pela perícia médica do INSS”, alerta o professor.
De acordo com os especialistas, a renda familiar para requerer o BPC é calculada de acordo com o número de pessoas que vivem na mesma casa. Os membros da família considerados na análise para concessão do benefício abrangem, além do requisitante, seu cônjuge ou companheiro, seus pais ou padrastos (na falta de um dos pais), irmãos solteiros, filhos e enteados solteiros e menores de idade sob sua tutela e que morem na mesma casa, segundo a advogada Claudia Nakano, especialista do Nakano Advogados Associados.
O advogado Celso Jorgetti, da Advocacia Jorgetti, orienta que a partir do início de janeiro de 2017, após a publicação da Portaria Conjunta de º 1 do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário e o Instituto Nacional do Seguro Social, o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social sofreu várias alterações nas regras e procedimentos de requerimento, concessão, manutenção e revisão.
“Antes da edição da portaria a composição da renda familiar era feita por um formulário próprio preenchido pelo interessado. Agora, esse critério será verificado pela análise do CADÚNICO (Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal), mesmo cadastro usado para concessão do Bolsa Família”, informa.
Jorgetti destaca que no cadastro devem constar o número do Cadastro de Pessoa Física (CPF) do requerente e de todos os membros da família no momento da inclusão ou atualização. “Também que está entre os critérios para receber o benefício, além de estar inscrito obrigatoriamente no Cadastro único, ter nacionalidade brasileira, nata ou naturalizada, ou portuguesa e possuir residência no país”, aponta.
Justiça flexibiliza regras
Os especialistas ressaltam que decisões recentes dos tribunais brasileiros são favoráveis aos possíveis beneficiários do BPC, inclusive relacionadas à renda per capita familiar. “Apesar de a lei deixar expresso a necessidade comprovar a condição de miserabilidade, esse critério vem sendo flexibilizado pelos tribunais. Algumas recentes decisões garantem que pessoas com uma renda um pouco superior ao ¼ especificada na lei tenham o direito ao benefício assistencial”, revela Celso Jorgetti.
Claudia Nakano lembra também que, em 1998, uma ação no Supremo Tribuna Federal (STF) tentou, sem sucesso, declarar inconstitucional o requisito de menos de um quarto de salário-mínimo por pessoa para concessão do BPC. “Mas, em abril de 2013, a Corte acabou chegando a tal decisão, por considerar o valor defasado para caracterizar a situação de miserabilidade da população”, frisa.
A decisão ocorreu de uma reclamação do INSS, visando a suspensão do pagamento do benefício a um trabalhador rural pernambucano. Segundo a advogada, o ministro Gilmar Mendes, relator do caso, considerou a alternativa de o Tribunal julgar novamente a questão da inconstitucionalidade do critério de concessão do LOAS, e usou uma série de argumentos para sustentar sua defesa, entre eles a criação de leis com requisitos mais flexíveis e o reconhecimento em âmbito judicial do meio salário-mínimo como parâmetro para definir a renda familiar per capita.
“O julgamento ainda não foi concluído, mas assim como os outros programas e benefícios de assistência social no Brasil, o LOAS também deve utilizar a metade de um salário mínimo como referência, não mais um quarto, além do critério de contribuição para a Previdência, em função da mudança na economia e aumento no custo de vida”, afirma Nakano.
A especialista informa que benefícios como Bolsa Família e Bolsa Escola, que são mais recentes, utilizam a metade do salário mínimo valor como parâmetro. “Então, esse benefício, que é de 1993, também deveria utilizá-lo. Uma família que vivia com um quarto do salário mínimo, considerada, portanto, miserável, na década de 1990, hoje vive em condições muito piores”, defende a advogada.
Critérios e deveres
A cada dois anos, o INSS acompanha a concessão do BPC para verificar se o beneficiário continua dentro dos critérios do benefício, conforme determina o artigo 21 da LOAS. Além de conferir se o beneficiário ainda apresenta renda per capita familiar inferior a um quarto do salário mínimo, a revisão constata se há ou não necessidade de novo exame médico e social que avalie a incapacidade para a vida independente e para o trabalho.
Segundo o professor Serau Junior, a revisão é positiva, desde que não haja conduta abusiva por parte do INSS. “O BPC pode ser cancelado no caso de o beneficiário começar a trabalhar e obter renda suficiente para sua sobrevivência ou não ser mais considerado inapto ao trabalho. Durante a revisão do benefício, a perícia confere principalmente os casos em que os deficientes atendidos pelo BPC conseguem se inserir no mercado de trabalho”, revela.
Reforma
Desde que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Previdência foi anunciada, no último dia 6 de dezembro, surgiu uma série de dúvidas e temores para aqueles que necessitam do benefício assistencial. A também chamada reforma da Previdência contempla mudanças significativas no BPC.
A principal proposta aprovada pela Comissão Especial da reforma na Câmara dos Deputados foi alteração da idade mínima para o recebimento do benefício, que passará de 65 para 68 anos.
“Trata-se de uma grande injustiça o aumento de idade mínima para 68 anos para receber um salário mínimo, previsto nas regras do BPC. É um benefício destinado às pessoas em situação de miserabilidade. Elas terão que esperar completar 68 anos para ter uma vida digna, para conseguir se vestir, ter o que comer e comprar remédios. Isso não pode passar no Congresso Nacional”, observa João Badari, advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do Aith, Badari e Luchin Advogados.
O professor Serau Junior entende que se trata de uma mudança drástica e inadequada. “É muito preocupante, pois a faixa estabelecida pela PEC da Previdência como idade mínima para receber o benefício pode ser revista e ampliada conforme o tempo. Totalmente inadequada a proposta para um benefício que serve para amparar uma camada pobre da população”.
Na visão do advogado previdenciário Murilo Aith a intenção de alterar as regras do benefício assistencial é desumana “De acordo com o novo texto, terá direito ao benefício apenas aqueles que atingirem 68 anos de idade e que têm renda familiar de até 25% do salário mínimo, por pessoa. Estabelecer este limite alto de idade a um benefício que tem o valor do salário mínimo, é desumano. Como estas pessoas, em situação miserável, vão sobreviver até chegar aos 68 anos? ”, indaga.
Mais informações www.previdenciatotal.com.br