Receber a casa de um cliente como garantia para um empréstimo sempre foi uma opção pouco ofertada pelos bancos brasileiros. Mas isso deve mudar. Neste mês, o governo anunciou uma medida que permite que 3% dos recursos captados via poupança sejam usados como fonte de dinheiro para o crédito com garantia de imóvel, também chamado de home equity. O estímulo poderá injetar até R$ 16 bilhões nessa linha de crédito, segundo previsão do governo.
Com mais fontes de recursos, a expectativa é de que os bancos reduzam os juros cobrados nessa linha. Boa notícia para o consumidor, já que essa modalidade permite empréstimos de valores altos – os bancos emprestam até cerca de 60% do valor do imóvel dado como garantia. Em contrapartida, o imóvel do comprador, muitas vezes o único da família, está em jogo, o que exige cautela.
De acordo com Octavio de Lazari Junior, presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) e diretor do Bradesco, o estímulo a essa linha é válido, uma vez que há um grande número de profissionais liberais que recorrem ao crédito pessoal para abrir ou ampliar seu negócio. Além disso, no crédito com garantia de imóvel, os prazos para pagamento são mais longos e muitas vezes ultrapassam dez anos.
“Se considerado o volume da poupança, os recursos são gigantescos e vão contribuir para que o home equity ajude a baratear o custo dos financiamentos das famílias brasileiras, assim como o crédito consignado”, afirma João Vitor Menin, diretor do banco Intermedium, especializado nesse segmento. Ele estima que a linha ultrapasse, em cinco anos, o crédito consignado, hoje com R$ 240 bilhões em carteira. O juro médio do crédito consignado está em 25,8% ao ano, segundo o BC.
Não há dados oficiais do tamanho da carteira de crédito com garantia de imóvel no Brasil, mas os especialistas estimam algo entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões. Nos principais bancos, as taxas de juros giram em torno de 1,5% ao mês (ou cerca de 20% ao ano).
Com o incentivo do governo e os juros menores, o home equity tem tudo para ganhar mais espaço. Na próxima década, conforme Venim, o produto tem potencial para galgar meio trilhão de reais e ser maior que a linha com desconto em folha de pagamento. A carteira de home equity do Intermedium soma R$ 450 milhões e vem crescendo a um ritmo de 60% a 70% ao ano, segundo o executivo.
Para quem se animou, é preciso calma antes de colocar o imóvel próprio como garantia para um empréstimo. O presidente da Associação Brasileira de Mutuários da Habitação (ABMH), Leandro Pacífico, considera que uma campanha de conscientização deveria vir acompanhada dos estímulos do governo à modalidade. Pacífico é taxativo em sua avaliação sobre vantagens e desvantagens. “É o pior crédito possível do ponto de vista da segurança familiar”.
A coordenadora institucional da associação de consumidores Proteste, Maria Inês Dolci, avalia que ainda é cedo para saber se os bancos vão baixar os juros dessa linha. Ela recomenda planejamento e o uso desse crédito com cautela e para investimento em projetos sólidos, já que em caso de inadimplência o imóvel pode ser perdido. “Se a família tem um segundo imóvel, ele pode ser usado como garantia com mais tranquilidade. Se acontecer, porventura, algum problema de pagamento, a casa onde a família mora não será afetada”, afirma.
Custos
No Bradesco, os juros do crédito com garantia de imóvel partem de 2,81% ao mês. O banco está fazendo as contas e aguarda resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN), mas a expectativa é de que as taxas fiquem mais baratas. Segundo o diretor de Empréstimos e Financiamentos do Bradesco, José Ramos Rocha Neto, hoje a linha tem inadimplência maior que o crédito imobiliário, mas também é considerada de menor risco, uma vez que tem o imóvel quitado como garantia.
Líder no segmento, a Caixa Econômica Federal tinha, até julho, carteira superior a R$ 7 bilhões. A instituição ainda avalia o impacto dos estímulos. O vice-presidente de Finanças e Controladoria da Caixa, Márcio Percival, lembra que o banco reformulou o produto em 2013. A instituição aceita como garantia imóveis residenciais, comerciais, terrenos ou imóveis rurais, com taxa a partir de 1,17% ao mês mais a taxa referencial (TR).
O Banco do Brasil tem juro entre 1,35% a 1,94% ao mês. A instituição diz que não cobra seguro por morte e invalidez e por danos ao imóvel.
No Santander, cuja carteira de home equity soma cerca de R$ 400 milhões, a medida deve liberar mais de R$ 1 bilhão, de acordo com o diretor executivo de Negócios Imobiliários, Gilberto Duarte de Abreu Filho. O juro parte de 1,65% ao mês. “Internacionalmente, o home equity é extremamente usado, mas aqui ainda não existe uma cultura para o produto e o custo não estava adequado”.
Segundo o presidente da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), Manoel Cintra, o produto também deve ter mais espaço nos bancos médios. “Os bancos médios já fazem essas operações e têm capacidade de fazer melhor que os grandes, porque as carteiras são menores”, diz.
Sobre a desvantagem da concorrência com os grandes bancos, que podem acessar um funding mais barato, Menin, do Intermedium, diz que o diferencial não é apenas a taxa. O serviço prestado e ainda o custo mais atrativo do seguro embutido no financiamento, diz, tendem a pesar na decisão do cliente. Colaborou Cynthia Decloedt, Hugo Passarelli e Mariana Congo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.