O governo do presidente Jair Bolsonaro precisa começar a pagar as promessas de reformas que fez para resolver a inquietação em torno da solvência fiscal do Brasil, que mina as perspectivas de crescimento, na avaliação do economista-chefe do Goldman Sachs para América Latina, Alberto Ramos.
Para ele, falta senso de urgência nos três poderes, o que tem estressado os mercados num cenário em que o risco de um rebaixamento da nota de crédito do País aumentou. A seguir, os principais trechos da entrevista:
<b>A recuperação da economia brasileira tem sido sustentada por estímulos fiscais. Na sua avaliação, como fica a economia daqui para a frente?</b>
Não há dúvida de que, na fase inicial, há uma recuperação em V no Brasil. Isso reflete duas coisas. Primeiro, a queda que precedeu essa retomada. Se você tiver uma bola na mão e deixá-la cair da altura da cintura, ela vai dar um repique pequeno, mas se for do 10º andar, acumula muita energia na descida e o repique é bem maior. Não significa que é um festival de crescimento. Outro fator é o gasto fiscal, de 8% do Produto Interno Bruto (PIB), que comprou algum crescimento, o que levanta a questão se essa retomada se sustenta sem essa muleta.
<b>Qual é a sua opinião?</b>
Nesse ritmo, não se sustenta por várias razões. Primeiro, estamos falando de um repique inicial depois de bater no fundo. Por outro lado, tivemos um trampolim fiscal que elevou o repique. Chega um ponto em que essa energia acaba e os números começam a ser mais moderados. O que a gente sabe sobre a trajetória da economia brasileira nos últimos anos é que é de baixo crescimento, baixo investimento e baixa produtividade. Essa realidade me parece que não mudou. Vai chegar um ponto em que vai convergir para a realidade de crescimento do País, que é relativamente baixo. Do ponto de vista fiscal, a gente não faz o que quer, mas o que pode.
<b>O que o Brasil pode fazer do lado fiscal?</b>
Do ponto de vista fiscal, infelizmente não dá para fazer muito, porque já tínhamos uma situação bastante frágil. Com o esforço fiscal feito durante a pandemia, por razões óbvias, a situação ficou ainda mais frágil. É por isso que o mercado está estressado, tentando saber se o teto (de gastos, a regra que limita o crescimento dos gastos do governo à inflação) se sustenta ou não e como se financia o Renda Brasil (o programa previsto para substituir o Bolsa Família).
<b>A escalada de casos de covid-19 na Europa e nos Estados Unidos tem elevado o temor de uma segunda recessão nessas economias. Qual pode ser o impacto no Brasil?</b>
Claramente, o risco aumentou. Não sei se seria uma recessão ou uma moderação mais rápida da retomada. Essa é uma grande fonte de incerteza. Com os casos (de covid-19) aumentando a nível global, as pessoas ficam mais defensivas. Alguns dados dos Estados Unidos já mostram que a recuperação econômica perdeu algum fôlego à medida que aumentou o número de casos virais. É natural que isso aconteça. Se vai levar à uma recessão não é o nosso cenário base, mas, claramente, é uma fonte de preocupação que leva à ruptura voluntária da mobilidade e que impacta a atividade.
<b>O governo Bolsonaro prometeu várias reformas, mas ainda não entregou. O sr. acredita que dá tempo de fazer alguma delas ainda neste ano?</b>
Tempo dá, só que o trabalho do Legislativo tem sido extremamente lento nos últimos anos. Aprovou-se pouca coisa numa enormidade de tempo. Seria importante que a classe política, o Legislativo e o Executivo tivessem senso de urgência e acelerassem um pouco essas reformas. Está na hora de pagar a promessa (das reformas). Isso seria importantíssimo para ajudar a economia.
<b>Por quê?</b>
Primeiro, porque a situação fiscal do Brasil era muito frágil antes da pandemia do novo coronavírus. Essa agenda de reformas precede a pandemia. Já se sabia que eram necessárias todas essas reformas para aprofundar o ajuste fiscal para que o Brasil começasse a ter superávits primários para que a dívida entrasse numa trajetória descendente. A pandemia forçou a validação de uma expansão significativa do gasto. Foi um choque. O Brasil fez uma expansão fiscal bem significativa para um país que não tinha espaço.
<b>O sr. vê riscos maiores de rebaixamento da nota de crédito do Brasil diante da inquietação com a solvência fiscal?</b>
Sim. Os riscos de um downgrade do rating do Brasil estão maiores porque os rastros de endividamento público pioraram bastante. E, se as reformas não avançam, começam a aparecer dúvidas quanto à solvência fiscal de médio e longo prazos. Essa inquietação com a solvência fiscal mina o crescimento porque leva os juros de longo prazo a taxas mais altas e os indicadores de confiança se deterioram.
<b>A situação fiscal e os graves problemas ambientais têm manchado a visão de estrangeiros em relação ao Brasil – o que se reverbera na atração de investimentos para o País. Quais os riscos e como mudar esse quadro?</b>
Não é uma situação irreversível. É um assunto que ganhou relevância na agenda internacional. O Brasil tem sido bastante pressionado por investidores e governos estrangeiros em adotar uma política ambiental mais alinhada com os incentivos globais. Isso pode estar afetando algumas decisões de investimento.
<b>O investidor externo está mais cético com o Brasil do que em crises passadas?</b>
Do ponto de vista ambiental, sim. Nos últimos dez anos, a pressão sobre o Brasil talvez seja maior. A maneira como o investidor olha a economia não. Ele se preocupou mais com todo o desarranjo econômico no finalzinho do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff até o impeachment. O investidor estrangeiro vê hoje a direção da política macroeconômica com olhos melhores, mas com certo desencanto porque, claramente, o governo tem uma agenda bem reformista, só que tem entregado pouco.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>