Um incêndio atingiu na tarde desta quinta-feira, 29, o galpão da Cinemateca Brasileira, no bairro Vila Leopoldina, na zona oeste de São Paulo. O prédio abriga o acervo fotográfico da instituição, conforme o próprio site da instituição, responsável pela preservação do maior acervo audiovisual da América Latina. O Corpo de Bombeiros recebeu a ocorrência às 18h04 e, segundo o órgão, 11 viaturas estão trabalhando no local. Não há registro de vítimas e a causa do fogo ainda é desconhecida.
O prédio no número 290 da rua Othão, na Vila Leopoldina, foi doado à Cinemateca em 2009, pela Secretaria do Patrimônio da União. Com área total de 8.400 metros quadrados, dos quais 6.356 são de área construída, ele passou a abrigar dois anos mais tarde as reservas específicas de guarda de acervos, áreas de processamento de acervos fílmicos e documentais, laboratório de impressão fotográfica digital e demais instalações administrativas, de apoio e serviços da instituição.
Com a função de preservar e difundir o acervo audiovisual brasileiro, a Cinemateca Brasileira é administrada hoje pela Secretaria Nacional do Audiovisual, braço da Secretaria Especial de Cultura e subjugada ao Ministério do Turismo. Há dois anos, o contrato que a Associação Roquette Pinto (Acerp) mantinha com o Ministério da Educação para a gerência da instituição não foi renovado. O governo federal prometeu lançar novo edital para a função, mas a promessa nunca saiu do papel.
Em maio do ano passado, ao demitir Regina Duarte da Secretaria Especial de Cultura, o presidente Jair Bolsonaro declarou em vídeo, ao lado da atriz, que ela passaria a "fazer a Cinemateca". Ela não assumiu a função. Já em agosto, o governo federal denitiu todos os funcionários que trabalhavam na instituição, alguns com décadas de carreira, e o portal oficial da Cinemetaca foi retirado do ar.
Ainda em 12 de abril deste ano, os ex-funcionários da Cinemateca Brasileira publicaram um manifesto alertando para "os riscos que correm o acervo, os equipamentos, as bases de dados e a edificação da instituição". "O risco de um novo incêndio é real. O acompanhamento técnico e as demais ações de preservação, inclusive processamento em laboratório, são vitais", diz o comunicado, que atenta também para o teor inflamável dos e da possibilidade de autocombustão das películas.
O abandono da instituição gerou críticas de profissionais do cinema brasileiro e da comunidade internacional. No ano passado, o francês Thierry Frémaux, diretor do Festival de Cannes, disse que a Cinemateca estava "ameaçada pelo governo federal".
Ainda em 2016, um dos galpões da Cinemateca foi atingido por um incêndio que destruiu mil rolos de filmes, correspondentes a 500 obras – a maior parte cinejornais.
A reportagem não obteve resposta do Ministério do Turismo sobre a gerência e preservação da Cinemateca Brasileira.
<b>Cronologia da Cinemateca Brasileira</b>
1940
Origem da Cinemateca quando Paulo Emílio Sales Gomes, Décio de Almeida Prado, Antonio Candido de Mello e Souza, entre outros, fundam o Primeiro Clube de Cinema de São Paulo, que se propõe a estudar o cinema como arte independente por meio de projeções, conferências, debates e publicações.
1941
O Primeiro Clube é fechado pelos órgãos de repressão da ditadura do Estado Novo.
1946
O Segundo Clube de Cinema de São Paulo é criado por Francisco Luiz de Almeida Salles, Rubem Biáfora, Múcio Porphyrio Ferreira, Benedito Junqueira Duarte, João de Araújo Nabuco, Lourival Gomes Machado e Tito Batini, buscando estimular o estudo, a defesa, a divulgação e o desenvolvimento da arte cinematográfica no Brasil.
1949
É aprovado um acordo entre o recém-criado Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM/SP e o Clube, para a criação da Filmoteca do Museu de Arte Moderna de São Paulo.
1951
Paulo Emílio é nomeado vice-presidente da FIAF – Federação Internacional de Arquivos de Filmes.
1954
Paulo Emílio assume a direção da Filmoteca, como conservador-chefe, contando com a ajuda de Rudá de Andrade e Caio Scheiby.
1956
A Filmoteca se desliga do Museu de Arte Moderna, transformando-se em Cinemateca Brasileira, uma sociedade civil sem fins lucrativos.
1957
Em 28 de janeiro, um incêndio causado pela autocombustão sofrida pelos filmes em suporte de nitrato de celulose destrói suas instalações na Rua Sete de Abril.
1961
A Cinemateca torna-se uma fundação, personalidade jurídica que lhe permite estabelecer convênios com o poder público estadual.
1962
Criação da Sociedade Amigos da Cinemateca – SAC, sociedade civil cuja finalidade é auxiliar financeiramente a Fundação Cinemateca Brasileira.
1969
Em 18 de fevereiro, acontece o segundo incêndio, na instalação no portão 9 do Parque do Ibirapuera com perda de diversos materiais documentais em suporte de nitrato.
1976
A Fundação Cinemateca Brasileira tem o reconhecimento de seu caráter de utilidade pública pelo município de São Paulo.
1982
No dia 6 de novembro, ocorre o terceiro incêndio, que agrava as dificuldades financeiras da instituição e levam à defesa de sua incorporação ao poder público.
1984
A Fundação Cinemateca Brasileira é extinta e incorporada, como órgão autônomo, à Fundação Nacional Pró-Memória.
1988
O prefeito Jânio Quadros cede à instituição o espaço do antigo matadouro da cidade. Após nove anos de reformas, a sede da Cinemateca Brasileira é definitivamente instalada na Vila Clementino.
2003
A Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura incorpora a Cinemateca Brasileira.
2008 a 2013
A Cinemateca Brasileira dá um grande impulso nas suas atividades de preservação e difusão de acervos, bem como na infraestrutura, graças a recursos investidos pelo antigo Ministério da Cultura, em parceria com a Sociedade Amigos da Cinemateca.
2013
Sob gestão de Marta Suplicy, a Cinemateca passa por uma auditoria do Ministério, tem seu diretor exonerado e vê a suspensão no repasse de verbas do Ministério da Cultura para a entidade, causando a demissão de 43% do corpo de funcionários. É o início da crise que dura até os dias atuais.
2016
Em 3 de fevereiro, ocorre o quarto incêndio, resultando na perda de 731 títulos, em mil rolos rolos de filmes em nitrato de celulose. Do total, 461 obras tinham cópias; o restante se perdeu
2016 a 2017
O antigo Ministério da Cultura, através de sua Secretaria do Audiovisual, assina contrato com a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), organização social qualificada pelo Ministério da Educação, para execução de um projeto de preservação e acesso de acervos audiovisuais, da Cinemateca Brasileira.
2018
Em março é assinado Contrato de Gestão, parceria entre o antigo Ministério da Cultura e o Ministério da Educação, em que a Cinemateca passa a ser administrada integralmente pela Acerp por um período de 3 anos.
Maio de 2020
A Cinemateca divulga documento pedindo socorro