Depois de fechar acordo com a canadense Belo Sun para abrir espaço à exploração de ouro dentro de uma área de assentamento agrário no Pará, o Incra decidiu ampliar esse tipo de parceria para todo o Brasil, e não apenas com projetos de mineração, mas também de transportes e energia.
Com a decisão, assentamentos da reforma agrária implantados em todo o País poderão ser alvo de redução de suas áreas para receberem todo tipo de projeto de infraestrutura. Os detalhes do negócio, que sempre incluirá indenizações ao próprio Incra e à União, foram definidos em uma instrução normativa publicada na quinta-feira, 23, no Diário Oficial da União (DOU).
As regras, que entram em vigor em 3 de janeiro, vêm após o jornal O Estado de S. Paulo mostrar que o Incra firmou um acordo direto com a mineradora Belo Sun, para reduzir a área de um assentamento no município de Senador José Porfírio, a poucos quilômetros da barragem da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.
A Belo Sun adquiriu, irregularmente, diversos terrenos de assentados na região, com o propósito de retirá-los da área. Agora, o Incra firmou um acordo para arrendar essa mesma área à empresa. Em contrapartida, estabeleceu a cobrança de R$ 1,3 milhão, a compra de uma fazenda pela empresa no Mato Grosso e ainda um porcentual a ser definido sobre a receita que a empresa obtiver com o ouro extraído da região. Caminhonetes e equipamentos eletrônicos também foram pedidos no acordo.
Para que um lote da reforma agrária seja vendido por seu morador, a lei impõe uma série de condicionantes, como o fato de o ocupante ter vivido sobre aquela terra pelo prazo mínimo de dez anos e o terreno ter a emissão de seu título definitivo de posse. Ocorre que praticamente nenhum lote do assentamento localizado na Vila Ressaca, em Senador José Porfírio, tem esse documento, que é emitido pelo Incra.
A Defensoria Pública da União questiona o acordo e pede a anulação do contrato entre o órgão da reforma agrária e a mineradora. O Ministério Público Federal também analisa o caso, além do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União.
<b>Novas Regras</b>
Com a instrução normativa 112, publicada na quinta-feira, o Incra passa a estabelecer regras sobre a transação com a mineradora e demais empreendimentos que venham a atingir, direta ou indiretamente, as áreas de assentamento.
O texto estabelece que as parcerias poderão ser firmadas em três áreas: o eixo minerário (compreendendo toda mineração, incluindo pesquisa e lavra mineral), o eixo de energia (projetos de geração hidráulica, eólica, fotovoltaica, petróleo, gás natural, incluindo linhas de transmissão e linhas de distribuição); e o eixo de infraestrutura (como obras de portos, aeroportos, ferrovias, rodovias, barragens, telecomunicações e radiodifusão e segurança nacional).
O Incra vai pedir a "justificativa para realização do empreendimento ou atividade no interior do projeto de assentamento". Em contrapartida, vai definir as "indenizações pelos danos e prejuízos causados ao PNRA (Programa Nacional de Reforma Agrária) e aos assentados, individual ou coletivamente".
As regras não dão poder de veto aos assentados. O que o texto diz é que, independentemente da realização de audiência pública no curso do processo de licenciamento ambiental – a critério da autoridade competente, ou seja, do Incra -, "a celebração do instrumento será precedida de esclarecimentos gerais aos assentados sobre o empreendimento ou atividade".
A decisão do Incra deverá ser alvo de um pedido de anulação no Congresso. Ao jornal O Estado de S. Paulo, o deputado Nilto Tatto (PT-SP) disse que vai apresentar um projeto de decreto legislativo para pedir a anulação do ato. O Parlamento entrou em recesso no dia 18 de dezembro e retoma os trabalhos em 2 de fevereiro de 2022. "Também estamos avaliando uma ação contra a norma."
Procurado, o Incra não se manifestou até a conclusão desta reportagem, na noite da quinta-feira. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>