Estadão

Indiciamento por CPMI aperta cerco sobre um Bolsonaro mais vulnerável

Em seu primeiro pronunciamento público após a leitura do relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se esquivou de responsabilidade nos atos golpistas. O relatório da senadora Eliziane Gama (PSD-MA), aprovado nesta quarta, 18, sugere o indiciamento de Bolsonaro por quatro crimes: associação criminosa, violência política, abolição violenta do estado democrático de direito e golpe de Estado. O documento foi chancelado na sessão de encerramento da CPMI, com 20 votos favoráveis e 11 contrários, e traz pressão adicional sobre o ex-presidente, que já foi julgado inelegível até 2030 e ainda enfrenta outras investigações.

"Eu sou responsável por tudo aquilo que eu assinei", disse Bolsonaro, ao sair da sede da Polícia Federal, em Brasília, ao responder a questões sobre a possibilidade de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) durante as eleições. Ele admitiu que poderia fazê-lo "no caso de um distúrbio". "Vocês me acusam de querer dar golpe desde janeiro de 2019, quando eu assumi (a Presidência), e também antes, lá atrás. Tanto é que o relatório da CPMI cita fatos do século passado, como sendo golpista", afirmou o ex-presidente.

Bolsonaro foi à PF prestar depoimento sobre suposta ordem que teria dado para aliados espalharem fake news na eleição. Fabio Wajngarten, ex-secretário especial de Comunicação e hoje advogado do ex-presidente, afirmou que a eleição é "página virada".

<b>Silêncio</b>

Diante dos policiais, Bolsonaro se manteve em silêncio e apresentou considerações por escrito. Sua defesa argumenta que, fora da Presidência, ele não deve ser processado pelo Supremo Tribunal Federal e, por isso, só se pronunciará ao juízo de primeira instância. O inquérito está sob a responsabilidade do ministro do STF Alexandre de Moraes.

<b>Comissão</b>

As penas para os crimes que o relatório final da CPMI do 8 de Janeiro atribui ao ex-presidente, somadas, podem chegar a 29 anos de prisão. Três desses crimes (abolição violenta do estado democrático de direito, golpe de Estado e associação criminosa) também são imputados aos réus dos atos golpistas que estão sendo julgados no Supremo. No relatório da senadora Eliziane Gama, Bolsonaro é apontado como "mentor intelectual" dos ataques na Praça dos Três Poderes.

O parecer aprovado ontem sugere, ainda, o indiciamento de outras 60 pessoas, entre elas aliados próximos de Bolsonaro, como os generais da reserva Braga Netto (ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e vice na chapa da disputa do ano passado) e Augusto Heleno (ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional), o general da ativa Marco Antônio Freire Gomes (ex-comandante do Exército) e o ex-ministro da Justiça Anderson Torres.

<b>Vulnerabilidade</b>

Não é a primeira vez que o ex-presidente entra na mira de um relatório de comissão parlamentar. Em outubro de 2021, as penas dos crimes atribuídos a ele na CPI da Covid atingiam 38 anos. No entanto, a Procuradoria-Geral da República (PGR), então chefiada por Augusto Aras, engavetou as investigações abertas com base no relatório. A diferença agora é o contexto: Bolsonaro não está no poder, Aras não ocupa mais a PGR e há, ainda, a delação premiada de Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens, cujo conteúdo ainda não é plenamente conhecido. Com isso, o ex-presidente está mais vulnerável.

O pedido de indiciamento é uma sugestão para que as autoridades (PGR e Polícia Federal), municiadas dos documentos obtidos pelo colegiado, deem continuidade às investigações e proponham, se convencidas de que houve crime, ações penais perante a Justiça. Assim, a PGR passa a ter um papel importante na definição do futuro de Bolsonaro.

O órgão, no entanto, passa por indefinições. Há quase um mês, está sob o comando interino da procuradora Elizeta Paiva Ramos e não há expectativa de uma definição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre quem vai assumir a chefia da instituição. Aliados avaliam que, por ora, o petista não tem pressa em tomar uma decisão.

A previsão no relatório da CPMI é de que o documento seja enviado, junto com as provas coletadas, também para STF, Advocacia-Geral da União (AGU), Tribunal de Contas da União (TCU) e Controladoria-Geral da União (CGU). Apesar de o indiciamento tratar de acusações criminais, é possível que o documento da comissão seja usado para responsabilizar Bolsonaro e os demais investigados cível e administrativamente. É o que pode vir das análises da AGU e do TCU, que têm tais competências.

<b>Discussão</b>

Durante a discussão do relatório de Eliziane, parlamentares governistas e da oposição divergiram sobre os pedidos de indiciamento feitos pela relatora. Governista, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) elogiou a senadora por propor que Bolsonaro continue sendo investigado pelos órgãos competentes. "O seu relatório não é um complemento das investigações, ele é protagonista de muitos dados e de muitas investigações", afirmou Jandira Feghali.

Os oposicionistas dedicaram seus discursos a desacreditar o texto de Eliziane. A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) disse que o parecer não terá sucesso caso seja aceito pelo Ministério Público. "Nós temos certeza de que lá na fase judicial esse relatório cai", afirmou.

<b>Ameaças</b>

Em um último discurso antes da votação, Eliziane afirmou que está recebendo ameaças de morte em seu telefone pessoal. A relatora afirmou que vai encaminhar as mensagens para a PF, e pedirá um reforço de segurança para ela e os seus familiares. "Agressão, ameaça de morte à minha família, dizendo que estão me esperando em aeroportos, que eu não posso mais sair na rua porque vão me atacar."

Outro nome na lista de pedidos de indiciamento é o da deputada Carla Zambelli (PL-SP), que é acusada de ter feito postagens questionando a confiabilidade do sistema eleitoral e intermediado reunião entre Bolsonaro e o hacker Walter Delgatti Neto. O encontro seria para demonstrar supostas "fraudes" da urna eletrônica.

Mesmo não sendo integrante do colegiado, Zambelli se defendeu durante a sessão. Afirmou que o pedido de indiciamento seria para ela uma premiação. "É uma medalha no meu peito. Vindo de vocês, é só mais uma medalha que eu vou carregar, de honestidade", disse.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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