A indústria processadora de suco de laranja considerou “inaceitável” a proposta elaborada pelos citricultores para o estatuto do Conselho dos Citricultores e das Indústrias de Suco de Laranja (Consecitrus) e rejeitou o documento encaminhado para análise, há mais de dois meses, classificando-o como incompatível com o modelo do foro de negociações da cadeia citrícola. A Associação Nacional de Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR) avaliou, ainda, o documento dos produtores como fora do “objeto do Consecitrus”, “incompatível com a liberdade associativa e de livre iniciativa” e pediu às associações de citricultores a revisão da proposta.
“A proposta de ajuste não apenas foge do objeto do Consecitrus e é incompatível com a liberdade associativa e de livre iniciativa, mas também não atende aos ajustes determinados pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e, mais que isso, contém disposições que ferem a lei de defesa da livre concorrência e da livre iniciativa, sendo dessa forma inaceitável na forma em que se encontra”, informou a CitrusBR na resposta dada aos produtores.
Uma minuta do documento, entregue aos produtores e obtida pelo Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, pede que sugestões de ajustes das entidades de produtores do Consecitrus sejam encaminhadas “o quanto antes” para que uma proposta final seja encaminhada dentro do prazo ao órgão antitruste, ainda em setembro.
Elaborada entre outubro de 2014 e junho deste ano pelas entidades de citricultores que participam do Consecitrus – Associação Brasileira de Citricultores (Associtrus), Sociedade Rural Brasileira (SRB) e Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp) – a proposta de estatuto previa vários pontos polêmicos. O principal tema de discórdia é o fim gradual da verticalização na indústria de suco, até um limite máximo de processamento de 20% da fruta própria para a produção da bebida.
“Não cabe ao Consecitrus, nem seria legalmente sustentável, a imposição de limitações à liberdade de empreender a quem quer que seja, sob qualquer pretexto. A CitrusBR esclarece que impor tal obrigatoriedade seria inconstitucional, excede os poderes do Consecitrus e do próprio Cade”, informou na resposta aos citricultores. A entidade que representa as indústrias Cutrale, Citrosuco e Louis Dreyfus Commodities (LDC) contesta a ideia dos produtores da criação, pelo Consecitrus, de um contrato modelo a ser obrigatoriamente utilizado na compra da laranja. “Não constitui objetivo do Consecitrus a criação de qualquer tipo de contrato ou interferência nas relações comerciais de quais agentes econômicos”.
A indústria já havia manifestado contrariamente à recriação de um contrato padrão para a compra de laranja. O contrato padrão foi criado na década de 90 do século passado e foi proibido em outubro de 1995 justamente pelo Cade, após denúncia feita por produtores de prática de cartel e de imposição de preços pela indústria.
Além de rechaçar a redução da verticalização e o contrato padrão, a CitrusBR contesta ainda a proposta que restringe apenas aos citricultores e indústrias membros do Consecitrus os benefícios do conselho e, outra, que sugere a criação de um sistema de controle de estoques de suco de laranja. “A CitrusBR entende que o Consecitrus não tem por objetivo a criação de privilégios para determinados agentes econômicos ou entidades do setor em detrimento de outros. Entende (ainda) que o Consecitrus é uma entidade apenas informativa, sem participação direta na atividade comercial dos agentes econômicos”, informam as companhias no documento.
Outro ponto de discórdia da indústria e produtores é a proposta, por parte dos citricultores, de criação de um cronograma de colheita para a entrega total da produção contratada, o qual prevê um prazo máximo de 24 horas para recebimento e descarga da laranja após chegada à indústria. “A CitrusBR esclarece que tais questões não podem ser compreendidas em organizações estatutárias e o Consecitrus não pode definir limites ou impor obrigações aos agentes econômicos”, conclui o documento.
O Broadcast apurou também que a CitrusBR é contrária à proposta das entidades de produtores de que o primeiro orçamento do Consecitrus seja bancado pela indústria com o recolhimento de US$ 10 por tonelada exportada de suco de laranja. Como as exportações brasileiras são de aproximadamente 1 milhão de toneladas por ano da bebida, o orçamento inicial seria de US$ 10 milhões. Os produtores pedem ainda que as indústrias façam, na assinatura do estatuto, um adiantamento de 20% do valor estipulado para o custeio das despesas de funcionamento do Consecitrus.
“O Consecitrus não será tratado por nós como balcão de negócios. A ideia sempre foi a construção de um órgão focado em transparência e informações e não para beneficiar qualquer tipo de entidade, ou muito menos interferir em relações comerciais entre empresas e fornecedores ou na vida privada de qualquer um dos dois”, disse ao Broadcast o diretor-executivo da CitrusBR, Ibiapaba Netto, antes do encontro com os produtores.