Ao pegar a ficha técnica do curta-metragem Sunspring, algum desavisado pode achar que se trata de apenas mais um filme esquecível de ficção científica. O diretor Oscar Sharp dirigiu apenas dois curtas; o produtor Ross Goodwin é um total desconhecido no meio; e o roteiro é assinado apenas por um misterioso Benjamin. Tudo muda de figura, porém, quando se descobre que é o tal Benjamin é, na verdade, um computador. Baseado na Universidade de Nova York, a máquina escreveu todo o roteiro por meio de algoritmos e fez com que Sunspring se tornasse o primeiro filme elaborado completamente por inteligência artificial.
“Há alguns anos, fiz o roteiro de uma peça de teatro sem falas usando apenas uma planilha”, conta o diretor do curta-metragem, Oscar Sharp. “Vi que a técnica era promissora e pensei que poderia usar a ideia em algo maior, como um filme. Aí, algum tempo depois, conheci o (especialista em inteligência artificial) Ross Goodwin, que topou na hora me ajudar a fazer um curta escrito pelo programa de algoritmos que ele elaborou.”
A ideia de Sharp só se concretizou neste ano durante o Sci-Fi London, um festival de filmes de ficção científica. Em um dos desafios propostos, estava o de produzir um curta-metragem em apenas 48 horas. Goodwin e Sharp, então, resolveram contar com a ajuda de Benjamin – nome carinhoso dado ao programa de inteligência artificial LSTM – para facilitar a produção e testar o modelo.
“Tudo foi muito simples”, afirma o pesquisador de inteligência artificial e desenvolvedor da tecnologia, Ross Goodwin, que diz ter alimentado a máquina com mais de 200 roteiros (leia mais abaixo). “Treinamos a rede de inteligência artificial da Universidade de Nova York durante toda a semana anterior e o texto de Sunspring ficou pronto em apenas alguns poucos minutos.”
Segundo os dois realizadores – que divergem no significado da história -, Sunspring fala sobre três pessoas que vivem em um futuro não muito distante e em uma espécie de triângulo amoroso. “É um filme de ficção científica alternativo”, resume a sinopse do curta.
Após a elaboração do curioso roteiro por Benjamin – que não sofreu nenhuma alteração -, Sharp teve a chance de usar todas as 48 horas para gravar o filme, que contou com Thomas Middleditch (da série Sillicon Valley) no elenco. “Todos acharam divertido estarem gravando de acordo com o que um computador mandou”, afirma o diretor. “Benjamin deu até a entonação e o comportamento que os atores tinham que adotar.”
O resultado, aparentemente, foi aprovado pelo festival, que considerou Sunspring um dos 10 melhores produtos apresentados no desafio. Entretanto, especialista em cinema criticam a qualidade do curta-metragem por ter alguns diálogos soltos e situação sem conexão com o todo.
Roteiro
Acima do questionamento da qualidade de Sunspring, porém, está a discussão sobre o futuro dos roteiros de cinema. Afinal, roteiristas de todo o mundo ganharam um rival de peso, já que os programas de inteligência artificial poderiam se tornar populares e gratuitos. Qualquer um, então, teria a chance de ter um roteiro em mãos em poucos minutos e gastando quase nada.
Para Sharp, o futuro da ferramenta é impossível de ser previsto. “Nós já estamos trabalhando para deixar o Benjamin disponível para qualquer pessoa”, afirma Sharp. “Estou ansioso para saber como as pessoas vão lidar com estas novas ferramentas, assim como foi com a computação gráfica.”
Já para Goodwin, as consequências da chegada de algoritmos aos roteiros são mais claras e menos preocupantes. “Não acredito que filmes inteiros serão escritos por computadores”, afirma o especialista em inteligência artificial. “Eu acho que a inteligência da máquina vai oferecer ferramentas para ajudar as pessoas criativas com o seu trabalho. Ela poderá, por exemplo, sugerir o que escrever nas próximas linhas quando o roteiristas tiver um branco e não conseguir continuar uma história.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.