No momento em que ganha notoriedade o uso de ferramentas como o ChatGPT – capaz de criar textos complexos em formatos variados -, uma comissão de especialistas convocada pelo Senado apresentou uma proposta para regular a inteligência artificial (IA).
Entre os principais pontos, o texto restringe o uso de câmeras instaladas pelas secretarias de segurança pública para reconhecimento facial indiscriminado de pessoas que circulam nas ruas. Também veda a implementação de modelos de "ranqueamento social", usado pela China, em que cada cidadão recebe uma pontuação de acordo com seu comportamento nas redes sociais e a nota serve para assegurar ou não acesso a recursos públicos.
O Senado convidou uma comissão de 18 juristas para elaborar a proposta de regulação, que tem 45 artigos. O grupo, liderado pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Ricardo Villas Bôas Cueva, redigiu um relatório de mais de 900 páginas, com a colaboração de membros da academia, da sociedade civil e de empresas ouvidos em audiências públicas realizadas entre abril e maio do ano passado.
Participaram juristas e especialistas em direito digital e membros da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) que estiveram na concepção da Lei Geral de Proteção de Dados.
<b>Transparência</b>
Pela proposta, empresas que usem sistemas de IA de alto risco precisam adotar medidas de governança que registrem o funcionamento da inteligência e métodos para corrigir vieses. As sanções administrativas sugeridas variam entre advertência, multa simples de até 2% do faturamento, de no máximo de R$ 50 milhões por infração, até a suspensão parcial ou total do sistema.
O senador Eduardo Gomes (PL-TO), que apresentará a proposta, disse que novos temas serão incluídos no texto. "Temos consciência de que é um assunto muito dinâmico. Assim não teremos prejuízos por falta de diálogo", disse. Um dos caminhos possíveis é que o texto seja apresentado para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e depois levado ao plenário. "É um tema muito urgente", disse.
O texto lista "níveis de risco" para o uso de sistemas informatizados e estabelece direitos e deveres, entre eles o de uma empresa ter de explicar uma decisão tomada por uma inteligência artificial, de usuários questionarem judicialmente decisões, solicitarem intervenção humana e de não serem discriminados por vieses como racismo ou misoginia.
A proposta analisou legislações aprovadas pelos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A maioria dos mecanismos de controle à IA nos países da OCDE foi elaborada há pouco mais de três anos e varia em relação ao papel interventor do Estado. Alguns países que compõem a União Europeia preferem diretrizes do bloco, que pretende chegar a um consenso do projeto regulador final em março deste ano.
Ainda não há também nos Estados Unidos uma legislação reguladora própria. O Comitê Consultivo Nacional de Inteligência Artificial do país foi lançado em abril de 2022, e se espera que um projeto de lei seja apresentada neste ano.
O relatório aponta a Coreia do Sul (que desenvolveu uma estratégia nacional em 2019) como o país com o maior número de medidas para eliminar barreiras legais ou regulatórias, enquanto a Alemanha (que publicou sua estratégia em 2018 e a atualizou em 2020) se destaca pela quantidade de iniciativas de regulação.
<b>Avanço e ameaça</b>
"Certamente, a IA tem um enorme potencial de tornar mais eficientes variados produtos e serviços, mas também pode ameaçar direitos. Daí a importância de normas de caráter geral que protejam os cidadãos", disse o ministro do STJ Ricardo Villas Bôas Cueva. "Recentemente, por exemplo, foi anunciado que o ChatGPT foi utilizado para produzir uma sentença judicial na Colômbia, o que gerou grande perplexidade na comunidade jurídica por causa da necessária interação humana em uma análise judicial."
Criadora do ChatGPT, Mita Murati disse, em entrevista à revista Time, que o momento é propício para a regulação de inteligências artificiais. O ChatGPT se tornou o aplicativo de crescimento mais veloz da história quando alcançou 100 milhões de usuários em janeiro. A tecnologia causa preocupações a reguladores pelo mundo.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>