As invasões de terras nos primeiros três meses do governo Luiz Inácio Lula da Silva já superam o total de ações durante todo o primeiro ano do governo Jair Bolsonaro. Desde 1.º de janeiro, foram 16 invasões – sete do Movimento dos Sem Terra (MST) e nove da Frente Nacional de Lutas Campo e Cidade (FNL). Em 2019, foram 11, segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Há um clima de desconfiança do setor do agronegócio sobre a garantia de segurança jurídica no campo. As invasões neste início de governo contrariam o discurso do presidente na campanha. O petista chegou a dizer no ano passado que o MST não invadia propriedades produtivas.
Na segunda-feira, 3, o MST invadiu uma fazenda de cana-de-açúcar, em Timbaúba, na Zona da Mata de Pernambuco, dando início ao chamado "Abril Vermelho", apontado com uma jornada de ações pelo País. Novas invasões estão previstas, inclusive em outros Estados, segundo o movimento, rompendo uma trégua dada ao governo no início de março, com a desocupação de três fazendas da empresa Suzano, no sul da Bahia.
O Engenho Cumbe, em Pernambuco, faz parte de um complexo de três engenhos de açúcar com área total de 800 hectares. O MST argumenta que as terras eram estaduais e foram griladas, estando atualmente improdutivas. A Polícia Militar confirmou a invasão e disse que um grande grupo de pessoas está acampado na área do engenho, que tem cultivo de cana-de-açúcar. "Foram visualizados automóveis e motocicletas e já havia sido erguida a bandeira do MST", afirma a corporação, em nota.
Conforme a PM, agentes se deslocaram até a sede da usina e orientaram um funcionário sobre as medidas para a reintegração de posse. "A Polícia Militar só poderá atuar no caso por ordem judicial", disse. O pedido de reintegração de posse, no entanto, ainda não havia sido protocolado na Justiça local. O MST afirmou que havia movimentação de produtores rurais na região, possivelmente para se opor à invasão, o que não foi confirmado pela Federação da Agricultura do Estado de Pernambuco (Faepe).
Na Assembleia Legislativa de Pernambuco, o deputado Coronel Alberto Feitosa (PL) cobrou uma posição do governo Raquel Lyra (PSDB). Segundo ele, na segunda-feira, a Associação dos Fornecedores de Cana de Pernambuco fez uma reunião com entidades do agronegócio e alertou a Secretaria de Defesa Social para o risco de conflitos. A pasta e o governo foram procurados pela reportagem, mas não comentaram.
De acordo com o Incra, as áreas invadidas fazem parte de um antigo complexo usineiro voltado para a produção de açúcar. Segundo o órgão, não é possível confirmar se são terras produtivas porque, nos últimos anos, houve a suspensão da obtenção de terras para a reforma agrária, o que paralisou o processo de vistoria em imóveis rurais. "O Incra acompanha a situação por meio da Câmara de Conciliação Agrária", afirmou.
<b>Risco</b>
Em Itabela, no sul da Bahia, nesta terça, 4, a Polícia Militar interveio para evitar um confronto entre produtores rurais da região e integrantes do MST que invadiram no mês passado a Fazenda São Jorge. Os sem-terra tinham se comprometido a sair pacificamente da área, que já teve a reintegração de posse dada pela Justiça, mas recuaram ante a presença de um grupo de fazendeiros nas imediações. A PM suspendeu a reintegração. Em protesto, os produtores rurais usaram galhos para interditar a BR-101, só liberada com a chegada da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Foi na mesma região que, no início de março, o MST invadiu três fazendas da Suzano nos municípios de Caravelas, Teixeira de Freitas e Mucuri, na primeira onda de mobilização no governo Lula. Na época, em uma tentativa de evitar novas invasões, capazes de indispor a gestão petista com setores do agronegócio, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar assumiu a mediação dos sem-terra com a Suzano, mas não deteve o MST.
Na mesma ocasião, os sem-terra já haviam entrado na Fazenda Limoeiro, em Jacobina, também na Bahia. No fim de março, uma fazenda foi invadida pelo movimento em Hidrolândia, no interior de Goiás. A propriedade de 678 hectares, que pertenceu a um grupo condenado por exploração sexual de mulheres e adolescentes, hoje pertence à União.
<b> CPI do MST </b>
Na Câmara dos Deputados, a Frente Parlamentar da Agropecuária tenta emplacar uma proposta de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar o MST. O documento, que já alcançou 172 assinaturas, número mínimo para que seja protocolado, pede que as invasões como as do Abril Vermelho sejam investigadas. Se instalada, a CPI também deve mirar os repasses de recursos de organizações não governamentais ao MST.
Tradicionalmente, o MST realiza sua jornada nacional em defesa da reforma agrária em abril, em memória dos 19 trabalhadores sem-terra mortos pela Polícia Militar em Eldorado dos Carajás, no sudeste do Pará, em 17 de abril de 1996. As mortes aconteceram durante tentativa de desocupação das margens da rodovia PA-150, onde mais de 3 mil famílias acampadas reivindicavam uma fazenda que o movimento considerava improdutiva. O episódio ficou conhecido como o "Massacre de Eldorado dos Carajás".
No ano passado, ainda no governo Bolsonaro, o Abril Vermelho do MST se resumiu a marchas e manifestações, com apenas quatro invasões de propriedades rurais. Durante a campanha anterior e em todo o seu mandato, o ex-presidente pregou o direito de reação armada às invasões do movimento. Em nota, o MST repudia o uso do termo invasão, afirmando que realiza ocupações de terras que não cumprem sua função social. "Não cumprir a função social significa dizer que a terra tem degradação do meio ambiente, tem trabalho escravo ou ela não produz. Esta terra, como manda a lei, deve ser desapropriada para fins de reforma agrária", diz o movimento.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>