Se você é daqueles que gostam do inverno, melhor ficar atento para aproveitar os dias realmente frios e manter um guarda-chuva à mão. No centro-sul do Brasil, a estação que começa nesta quarta-feira, 21, deverá ser mais branda e mais úmida do que nos anos anteriores – efeito direto do El Niño. No Norte e Nordeste, o fenômeno climático costuma trazer uma temporada mais seca e, por isso mesmo, o número de incêndios esperados na Amazônia deverá subir em relação a 2022.
O El Niño é um fenômeno climático natural, que ocorre com intervalos de dois a sete anos, e que se caracteriza pelo aquecimento das águas superficiais do Oceano Pacífico na região do Equador. Isso causa a interrupção dos padrões de circulação das correntes marítimas e massas de ar, o que leva a consequências distintas ao redor do mundo.
“O inverno começa sobre a influência do fenômeno climático El Niño que vai se intensificando nas próximas semanas e favorece um padrão mais chuvoso entre São Paulo, Mato Grosso do Sul e Estados do Sul do Brasil, com maior frequência de chuva especialmente de julho em diante”, diz a meteorologista Estael Sias, da MetSul.
Segundo ela, a temperatura será mais alta do que o normal, mas quem ficar atento poderá aproveitar alguns dias de frio, principalmente em locais turísticos em que costumam nevar no Sul do Brasil.
“O trimestre da estação terá temperatura acima da média, mas com períodos curtos de frio, de formação de geada e a neve tem maior probabilidade de ocorrer, mas no final da estação, entre agosto e setembro”, afirma a meteorologista. “Em agosto e setembro aumenta também a variabilidade de temperatura com períodos de calor, o que acentua o risco de tempestades mais severas, com vento, raios e granizo.”
No início deste mês, a Administração Nacional de Atmosferas e Oceanos (NOAA, na sigla em inglês) lançou um alerta anunciando a formação do fenômeno. “Dependendo de sua força, o El Niño pode causar uma série de impactos, como aumentar o risco de chuvas fortes e secas em determinados locais do mundo”, disse Michelle LHeureux, cientista do clima do Climate Prediction Center.
Por enquanto, de acordo com o órgão, a intensidade do fenômeno ainda é fraca, mas deve passar para moderada e forte no decorrer do inverno no hemisfério Norte, no fina do ano. Existe a possibilidade de 2023 bater um novo recorde de ano mais quente dos registros, com temperaturas superiores às registradas em 1998 e 2016, anos especialmente quentes.
A combinação do fenômeno climático especialmente intenso com a aceleração dos efeitos do aquecimento global seria responsável pelo recorde.
Maio deste ano pode ter sido uma antecipação do que virá. O mês foi classificado como o terceiro maio mais quente já registrado, de acordo com cientistas dos Centros Nacionais de Informações Ambientais da NOAA. Tanto a América do Norte quanto a América do Sul tiveram seus meses de maio mais quentes já registrados.
As temperaturas da superfície oceânica da Terra também estabeleceram um recorde pelo segundo mês consecutivo. O gelo do mar antártico atingiu uma baixa recorde em maio: globalmente, maio de 2023 viu a segunda menor extensão (cobertura) de gelo marinho registrada para o mês. Apenas maio de 2019 teve uma extensão menor de gelo marinho global.
O El Niño ocorre depois de três anos seguidos de La Niña, que terminou em fevereiro deste ano. No Brasil, a La Niña causou invernos mais úmidos no Norte e Nordeste e provocou estiagem no Sul do País. Neste ano, o El Niño trará para as regiões Norte e Nordeste um inverno com menos chuvas, mas sem previsão de seca extrema, afirma a meteorologista na Nottus, Desirée Brandt.
Segundo ela, os órgãos ambientais, como o Ibama, devem ficar atentos com o muito provável aumento no número de queimadas no Norte. “O inverno do ano passado (sob influência do La Niña) foi mais úmido na região, com menor número de queimadas. Então é fácil ultrapassar neste ano”, diz.
Efeitos no bolso
Os custos econômicos do El Niño neste século chegarão a U$ 84 trilhões (R$ 413 trilhões), mesmo que as promessas de corte de emissões de gases do efeito estufa sejam cumpridas. Até 2029, o fenômeno deve causar perdas de até US$ 3 trilhões (R$ 14.7 trilhões). As estimativas fazem parte de estudo na revista Science e excedem em muito as perdas calculadas por pesquisas anteriores. Países tropicais, como o Brasil, podem ter danos maiores.
“Nossos resultados sugerem que provavelmente haverá grande impacto econômico, que deprime o crescimento em países tropicais durante, potencialmente, até uma década”, afirma o pesquisador Christopher Callahan, do Departamento de Geografia, que participou das análises. “O resultado pode ser de trilhões de dólares em produtividade perdidos globalmente em relação a um mundo sem este El Niño.”
O último ciclo do El Niño (2014-2015) contribuiu para que um ano depois, em 2016, as temperaturas do planeta fossem as mais elevadas registradas, então neste ciclo os seus piores efeitos também poderiam ser sentidos com certo atraso, o que a OMM prevê que cheguem em 2024.
No Hemisfério Norte, o aumento da temperatura das águas favorece o desenvolvimento de furacões no Pacífico, mas dificulta a formação deles no Atlântico. Nas últimas semanas, alguns dos países que podem ser vistos como potencialmente afetados pelo El Niño já começaram a emitir alertas de chuvas em algumas regiões.