A crise na Fifa não tem fim. Michael Garcia, o investigador que compilou 200 mil páginas de provas contra a Copa do Catar em 2022, pediu demissão de seu cargo na Fifa, nesta quarta-feira, ao ver que seus argumentos foram ignorados e que a entidade se recusa até mesmo a aceitar um recurso seu para reavaliar o caso.
Sua decisão é um terremoto para a entidade que, nos últimos meses, tentou passar uma imagem de que estava se reformando e julgando corruptos. Garcia deixou claro que a cúpula da Fifa não o permitia fazer esse trabalho.
Em um comunicado emitido nesta quarta, o norte-americano joga a Fifa em uma nova crise e abre mão até de um recurso na Corte Arbitral do Esporte (CAS, na sigla em inglês). Ele indica que perdeu esperanças de que seus argumentos sejam pelo menos considerados e que a Fifa de fato queira mudar sua cultura da corrupção. “Nenhum comitê independente, investigador ou painel de árbitros pode mudar a cultura de uma organização”, acusou Garcia.
Há um mês, o juiz supostamente independente da Fifa, Hans Joaquim Eckert, declarou que não existiam provas suficientes para dizer que o Catar havia comprado a Copa, depois que Garcia realizou dois anos de investigações e produziu um informe detalhado sobre os incidentes de corrupção.
Revoltado com a decisão, Garcia decidiu entrar com um recurso depois de chamar as conclusões de “erradas e incompletas”. Mas, na última terça-feira, o caso foi encerrado. O Comitê de Apelação da Fifa “concluiu que o recurso é inadmissível” e usou brechas legais para abafar o caso. Na prática, a Fifa blindou a Copa do Catar.
Garcia lamentou a decisão e preferiu abandonar a entidade. “Por dois anos desde 2012, senti que o Comitê de Ética da Fifa estava fazendo progressos. Mas, nos últimos meses, isso mudou”, disse. Segundo ele, seu informe sobre o Catar “identificou sérios problemas com o processo de seleção das sedes”, insinuando que, sim, houve corrupção.
Criticando Eckert por “omitir” partes de suas conclusões, Garcia também atacou o presidente da Fifa, Joseph Blatter, por ter dado declarações de que o processo de investigação estava concluído. “Parece que a decisão de Eckert será a palavra final sobre o processo de escolha da Copa de 2018”, disse Garcia.
Segundo ele, a decisão do juiz da Fifa fez ele “perder a confiança” na independência do julgamento. Mas a maior crítica é dirigida contra Blatter. “É a falta de liderança sobre esses assuntos dentro da Fifa que me levam a concluir que meu papel nesse processo chegou ao fim”, ressaltou.
TESTEMUNHAS – A Fifa também recusou aceitar um processo aberto por duas testemunhas que haviam prestado depoimento na investigação e acusam o processo de não terem considerado suas versões. As testemunhas acusam a Fifa de ter delatado seus nomes, ainda que elas tivessem dado as informações sob sigilo.
Phaedra Al Majid e Bonita Mersiades, que trabalharam para as candidaturas do Catar e da Austrália, foram aos tribunais, alertando que estão sendo alvo de perseguição. Em uma carta obtida pela reportagem do Estado com exclusividade, Phaedra atacava a Fifa por “premiar o silêncio” e admitia que havia presenciado corrupção no processo.
Mas a Fifa afirmou na última terça-feira que não “existe base” para um procedimento. “Nenhum nome foi mencionado e nenhuma informação foi passada”, explicou. A entidade também alega que foram as testemunhas quem foram aos jornais dar declarações, antes mesmo de o relatório ser produzido.
Sem credibilidade e escondendo cerca de 200 mil páginas do processo, a Fifa esperava que a decisão do mês passado encerrasse de uma vez por todas a crise na entidade. Mas Garcia e uma reação internacional fez o caso ganhar nova dimensão.
No informe, Eckert apenas cita a necessidade de punir alguns cartolas e fortalecer o processo de seleção a partir da Copa de 2026. Mas não haverá um novo voto para escolher uma nova sede e nem os organizadores do Catar ou Rússia serão punidos.
A Fifa confirma que empresários e cartolas do Catar de fato pagaram cerca de R$ 12 milhões para conseguir apoio. Mas o juiz não recomenda que haja um novo processo de seleção e a entidade não acredita que os incidentes são graves o suficiente para justificar tirar a Copa do país do Golfo Pérsico.
“Assumir que envelopes cheios de dinheiro são dados em troca de votos é ingenuidade”, escreveu o juiz. Segundo ele, as quebras nas regras do processo de seleção foram “muito limitadas em sua abrangência”.
“A avaliação do processo de escolha das sedes está encerrada para o Comitê de Ética da Fifa”, declarou. Segundo ele, as violações que ocorreram não foram suficientes para justificar um retorno ao voto “e muito menos reabrir os processos”. Para Eckert, o processo foi “robusto e profissional”.