Arregalar os olhos, apertar os lábios, rodar a língua dentro da boca e praticar "caretas" já são um hábito da terapeuta nutricional Kiki Felipe, de 56 anos, nas mais diversas situações: quando está na fila do supermercado, no metrô ou em casa, por exemplo. Ela é praticante da chamada ioga facial, que inclui uma série de exercícios dos músculos do rosto, pescoço e colo, técnicas de respiração, automassagens e ajustes posturais. "A gente se preocupa em fazer ginástica para o corpo, mas se esquece dos mais de 50 músculos do rosto, que é o nosso cartão de visitas", diz.
Duas vezes ao dia, Kiki faz os exercícios que aprendeu em um curso de ioga facial há três anos. Ela afirma que os resultados são visíveis. "Notei que as linhas de expressão nos olhos e vincos de sorriso melhoraram. Sinto que fiquei com uma aparência mais saudável no rosto, depois de adotar esse ritual de autocuidado." A melhora impressionou tanto que ela resolveu fazer o curso avançado para poder dar aulas.
A professora de Kiki é Cláudia Reis, de 56 anos, que conheceu a ioga facial há 25 anos, mas só se aprofundou no assunto nos últimos seis anos. Aprendeu a técnica com instrutores famosos mundialmente como Danielle Collins e Fumiko Takatsu. Em 2018, lançou a sua plataforma de cursos online de ioga facial, que já atraiu 350 alunos. Nesse mesmo ano, viu o interesse pela técnica aumentar quando a duquesa de Sussex, Meghan Markle, revelou, em 2018, que esse era o segredo para a beleza natural do seu rosto. As atrizes Gwyneth Paltrow e Jennifer Aniston também já anunciaram que são adeptas da técnica, assim como a brasileira Maitê Proença.
Para ver resultado, é preciso dedicar pelo menos 20 minutos diários aos exercícios, por 2 meses, no mínimo, diz Cláudia. "A ioga facial pode proporcionar melhora nos contornos do rosto, redefinição de volumes, mais tônus à pele, que fica com uma textura melhor. Não tem milagre nem perfeição e exige dedicação, por isso não é indicado para pessoas imediatistas." Alguns acessórios, como espátulas e rolinhos, podem ser usados para algumas manobras no rosto, mas geralmente só as mãos limpas com algum óleo ou hidratante são suficientes para realizar os exercícios.
O método criado por Cláudia inclui um trabalho de reorganização postural. "Prestamos atenção em detalhes, como a forma de olhar e a abertura de ombros, que têm reflexo na aparência", exemplifica Cláudia. Ela explica que os exercícios que trabalham os músculos faciais promovem uma "massagem interna" que ativa os tecidos do pescoço e do rosto, permitindo uma melhor circulação sanguínea e drenagem linfática. Praticante de hatha yoga há 30 anos, ela diz que a ioga facial, assim como a ioga clássica, traz melhorias na saúde, na autoestima e no bem-estar – a beleza é apenas uma consequência.
"Recomendo a ioga facial porque é uma prática que deixa você bem com você mesma, por ter um resultado natural, diferentemente de um procedimento estético que pode mudar demais a sua aparência", diz a psicóloga Ailla Stefano, outra aluna de Cláudia, de 45 anos. Ela pratica a ioga facial pelo menos três vezes por semana há cerca de dois anos e acha que a técnica é eficaz. "O trabalho muscular ajuda a segurar a papada, deixa a bochecha mais firme. Meu rosto não tem inchaço e a pele está mais bonita. As pessoas percebem os benefícios."
O termo "ioga facial" foi "emprestado" da milenar prática indiana. Márcia de Luca, estudiosa da ioga, meditação e ayurveda (filosofia médica indiana), nunca viu o termo "ioga facial" nos textos clássicos da ioga. Apesar disso, ela considera que os exercícios faciais são válidos, já que devem ser trabalhados assim como os do restante do corpo.
A relação com o botox
Aos 74 anos, Bartira Bravo afirma nunca ter passado por cirurgia plástica ou procedimentos estéticos invasivos para poder funcionar como garota-propaganda de seu próprio método de ginástica facial. Todos os dias, desde 1992, ela dedica 15 minutos a exercícios que envolvem músculos do rosto, pescoço e face. Ela explica que as tensões do dia a dia aceleram a criação de vincos na pele e que a ginástica facial ajuda a reduzir esse estresse, pois tem movimentos ritmados e coordenados, combinados com descanso.
Bartira recebe interessados em aprender a ginástica facial de forma individual na Clínica Denise Steiner, em São Paulo, e monta o programa de exercícios específicos para a necessidade de cada um. Entre os diversos perfis de clientes, ela é procurada, por exemplo, por pessoas que perdem peso rapidamente e não querem ficar com o "rosto caído" por conta da flacidez. "O resultado da ginástica facial vai depender de diversos aspectos, como a genética e a alimentação. Orientais, por exemplo, têm uma resposta rápida. Mas, em todos os casos, quem praticar diariamente terá uma aparência mais saudável", afirma Bartira. Na entrevista ao Estadão, ela exibiu orgulhosamente fotos suas e de seus clientes, para mostrar o resultado da dedicação.
As práticas de ginástica facial podem contribuir para a saúde se forem suaves, pois proporcionam relaxamento, afirma a dermatologista Edileia Bagatin, coordenadora do Departamento de Cosmiatria Dermatológica da Sociedade Brasileira de Dermatologia. "Sabemos da conexão entre doenças crônicas de pele, como a acne, com o estresse. Por isso, uma massagem suave pode trazer benefícios, sim." Ela afirma, porém, que ainda não há evidências científicas de que essa prática traga benefícios estéticos.
No entanto, uma pesquisa realizada pela Faculdade de Medicina Feinberg da Universidade Northwestern, em Chicago, concluiu que uma rotina de exercícios faciais de 30 minutos diários, por cinco meses, pode rejuvenescer a pele em até três anos. O estudo, divulgado em 2018, foi realizado com mulheres de 45 a 60 anos. Os participantes fizeram diversos exercícios como para "esculpir" as bochechas, melhorar aparência do pescoço, levantar a pálpebra dos olhos e as sobrancelhas.
As instrutoras de ginástica e ioga facial não recomendam a prática a quem aplicou botox ou que esteja com alguma lesão no rosto ou pescoço. "Não é que seja perigoso, mas com a ginástica facial o botox perde o efeito mais rapidamente. Se ela já investiu nisso, é melhor aproveitar até o fim", diz Bartira.
A instrutora de ioga facial Alessandra Scavone, de 47 anos, tem uma visão diferente. Ela inicia o plano de exercícios mesmo que o paciente tenha aplicado botox. "Conseguimos fazer a transição do uso do botox para a ioga facial. Em vez de paralisar o músculo com o botox, passamos a aprender a treinar e relaxar, melhorando assim a aparência", explica. "As pessoas que me procuram querem ter uma aparência melhor, mas que se reconheçam. Não querem ficar superesticadas por um efeito Cinderela", diz.
Esse é o caso da empreendedora social Juliana Rodrigues Dutra, de 36 anos, que procurou a ioga facial proposta por Alessandra para conseguir um "rejuvenescimento" facial mais natural. "Já apliquei botox e realizei uma série de tratamentos dermatológicos. Percebi que minha fisionomia estava cada vez mais artificial e comecei a notar isso também nas mulheres. Estava em um círculo vicioso de buscar sempre um tratamento moderno, ir a uma clínica e pagar", conta.
Há cerca de um mês, ela dedica 15 minutos do seu dia aos exercícios faciais propostos por Alessandra, com a meta de alcançar 30 minutos diários. "Pode ainda ser imperceptível para os outros, mas já sinto algumas mudanças nos músculos do rosto. Inseri essa prática na minha rotina porque quero envelhecer de forma saudável."
<b>Acessórios devem ser usados com orientação de especialistas
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Praticantes de ioga ou ginástica facial muitas vezes recorrem a acessórios para turbinar a prática, como o roller facial (um rolinho) e o gua sha (espécie de espátula). Geralmente feitos de pedra, são deslizados pela pele do rosto e do pescoço.
Ambos os acessórios são muito utilizados na China, feitos com a pedra jade, segundo o presidente da Escola Brasileira de Medicina Chinesa (Ebramec), Reginaldo de Carvalho Silva Filho. Ele explica que gua sha traz em seu nome a característica da aplicação: "gua" significa "raspar" e "sha" implica a reação da pele ao tratamento. "Quando aplicado com finalidades terapêuticas, na medicina chinesa, as raspagens são executadas até a obtenção do sha, que muitas vezes se apresenta de modo avermelhado com variações na intensidade. Mas, no caso da aplicação com finalidades estéticas, as raspagens são muito mais suaves."
A prática do gua sha estimula a pele e os tecidos faciais, segundo Reginaldo. "As regiões estimuladas recebem uma melhor nutrição e ganham mais brilho, suavidade e melhor aparência", diz. Ele afirma que a prática de autoaplicação em casa é segura, mas o ideal é seguir recomendações de profissionais capacitados, como aqueles que são especializados em medicina chinesa cosmética. "Esse profissional tem recursos para melhorar a aparência externa a partir de uma melhora nas condições internas, ou seja: a beleza como reflexo externo da saúde interna."
Na visão da dermatologista Renata Sitonio, esses acessórios ajudam a eliminar fluidos linfáticos que causam inchaço. "Deslizar o roller de forma suave na pele pode trazer benefício estético ao realizar uma drenagem facial, principalmente ao acordar, de manhã, quando olhos e maçãs do rosto ficam inchados." Ela mesma tem o costume de usar o roller na sua rotina de cuidados com a pele, para melhorar a aparência ao redor dos olhos, junto com o creme facial.
Quando usado gelado, o roller pode amenizar problemas na pele como a rosácea, doença inflamatória que traz vermelhidão à pele, conforme explica a médica. "A temperatura mais baixa do instrumento ajuda a acalmar a pele, pois fecha os vasinhos. Mas é claro que isso tem que ser associado a um tratamento dermatológico correto e ao uso de cosméticos voltados para esse tipo de pele, que é mais sensível."
A dermatologista alerta que usar esses acessórios com força e pressão na pele não é indicado. "Isso pode remover a barreira de proteção cutânea, o que danifica a pele e pode resultar até em inflamações", explica