Gherardo Colombo, ex-magistrado italiano, explica que na Itália não existe o sistema da delação premida
Vinte e cinco anos depois da Operação Mãos Limpas, um condenado por corrupção vai para a cadeia na Itália?
Muitos foram os condenados. Alguns foram para a cadeia. Mas muitos empresários – devo dizer que não sei se o nosso sistema corresponde ao de vocês – fizeram acordos e conseguiram a suspensão condicional da pena. E portanto não foram para a cadeia.
Quanto caiu o número das condenações na Itália?
É difícil dizer. Aqui em Milão, posso fazer um cálculo aproximado desse fenômeno. Nós pedimos que fossem julgadas cerca de 3,7 mil pessoas. Dessas, foram absolvidos 20%, cerca de 750. Cerca de 40% dos casos prescreveram, ou seja, cerca de 1.500. Das outras 1,5 mil, cerca de mil fizeram algum acordo. Foram condenados cerca de 700 pessoas, sendo que alguns ainda puderam gozar da suspensão condicional da pena.
E quantos desses foram condenados a até 3 anos e, portanto, puderam fazer serviços sociais em vez de ir para a cadeia?
Eu creio que uma grande parte, a maioria. Além disso, na Itália, existe a possibilidade para pessoas particularmente idosas de cumprir a pena em prisão domiciliar. Para o cárcere foram poucas pessoas.
O senhor acredita que um acusado de corrupção deve ser mantido na cadeia preventivamente?
Bem, pelo que compreendo, e não conheço completamente o sistema processual brasileiro… porém, chegam notícia. O sistema italiano prevê que a custódia cautelar seja possível somente para evitar o perigo de fuga, o perigo de destruição de provas ou o perigo de reiteração do crime do mesmo tipo. Ora, não existe na Itália um sistema para a corrupção similar ao vosso da delação premiada. Não existe. A delação premiada é um termo que não se pode usar. Nós falamos de colaborador de Justiça no campo da Máfia e do terrorismo. Não se pode pôr na cadeia uma pessoa para fazê-la falar. Ok? Em um sistema (da delação) no qual não basta que as pessoas sejam corretas, é sempre necessário, para a sentença, para a condenação, que existam também comprovações do que foi dito, como a prova da passagem do dinheiro por meio financeiro e assim por diante. E isso vale também para a custódia cautelar. Em relação às pessoas contra as quais foram aplicadas a custódia cautelar na Itália por parte dos magistrados, há uma outra particularidade que, para mim, é importante, e torna impossível fazer paralelos entre Mãos Limpas e Lava Jato. Existe uma diferença notável sobre o perfil do controle dos magistrados. Na Itália, existe o Ministério Público que faz a investigação. Há o juiz da investigação preliminar que controla a atividade do Ministério Público e que emite todos os procedimentos que restringem em qualquer medida a liberdade, como a custódia cautelar na cadeia, as interceptações telefônicas e por aí vai. Quando a investigação acaba, é um outro juiz, um juiz para a audiência preliminar, que decide se vai mandar a julgamento o acusado ou mesmo se recusa a abertura do processo. Mas não é ele que condena porque a condenação só pode ser emitida por um tribunal, que é um juízo diferente e, para os casos de corrupção, é o juízo de um colegiado, composto por três pessoas.
É por isso que alguns advogados brasileiros dizem que aqui no Brasil o juiz tem um papel de super-homem no processo?
Notei que o juiz (Sérgio Moro) que fez a investigação contra Lula é o mesmo da sentença e isso me deixou um pouco surpreso porque aqui na Itália isso não poderia acontecer.
A política italiana hoje é mais limpa do que antes?
Eu penso que o nível de corrupção na Itália seja mais ou menos o mesmo. Pessoas corruptas são encontradas em toda parte. Na época, a corrupção era muito ligada ao financiamento ilícito dos partidos políticos. Hoje não é mais assim.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.