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J. K. Rowling volta ao universo infantil com ‘Jack e o porquinho de Natal’

Após colocar um ponto final em Harry Potter e as Relíquias da Morte, a escritora J. K. Rowling não mostrou vontade em retornar ao universo da literatura infantil. Ao longo dos 13 anos seguintes, se dedicou às histórias policiais, com livros como Morte Súbita e a série Cormoran Strike – esta última sob o pseudônimo de Robert Galbraith. Agora, ela resolveu quebrar o jejum: em 2020 com O Ickabog e, em 2021, com Jack e o Porquinho de Natal.

Obra que chegou às livrarias brasileiras nesta terça-feira, 12, Jack e o Porquinho de Natal talvez seja um dos livros menos originais de Rowling. Com fortes influências dos filmes de Toy Story, toques de Divertida Mente e uma ambientação que lembra O Cântico de Natal, de Dickens, a obra conta a história de Jack, um menino que tem uma forte ligação com seu porco de pelúcia chamado "O Poto" – ou, simplesmente, OP para os íntimos.

No entanto, essa ligação é quebrada quando a filha de seu padrasto se irrita e joga o porquinho pela janela do carro. Sumiu, desapareceu, se perdeu. A partir daí, Jack entra em uma aventura com outros objetos e brinquedos da casa em que mora para tentar resgatar o tal porquinho de uma "terra de coisas perdidas". Uma história bem similar ao que é visto em Toy Story, quando Woody precisa resgatar Buzz Lightyear após cair, é claro, de uma janela.

Mesmo com essas similaridades, Jack e o Porquinho de Natal é uma leitura gostosa, que passa rápido por ser simples e, ao mesmo tempo, aconchegante. O cenário de inverno natalino, com a rua da casa de Jack branquinha por conta da neve, ajuda a dar o clima de aconchego do livro. J. K. Rowling sabe como se comunicar com esse público, mesmo 14 anos depois de Harry Potter e a Pedra Filosofal, o mais infantil da saga.

Além disso, é possível encontrar algumas boas mensagens dentro da história. Jack, assim como a colega Holly, passam pela experiência traumática da separação dos pais. Sem exagerar nas tintas, Rowling mostra como isso afeta não só a personalidade e a rotina dos dois, como essas mudanças podem ter reações completamente distintas – em Jack, esse apego desesperado por OP; em Holly, uma revolta quase que contagiante, angustiante.

Assim, a autora britânica reforça a impressão que o mundo teve, com a saga Harry Potter, de que ela sabe passar boas mensagens através das palavras. É algo que se perdeu durante sua empreitada nas histórias policiais, muito por conta da aspereza de falar sobre assassinatos, investigadores e por aí vai. Em Jack e o Porquinho de Natal, assim como em O Ickabog no ano passado, há esse resgate de uma J. K. das páginas há tempos não vista.

Destaque para a boa criação de personalidade de Jack, esse garotinho que se torna cativante, ainda que não tenha a mesma força do menino com a cicatriz em formato de raio. Além disso, alguns objetos com vida encontrados nessa jornada do protagonista parecem prontos para entrar no roteiro de uma animação da Pixar. Fica só um porém quanto ao excesso de informações e descrições, podendo ser cansativo até aos mais interessados.

A estranheza que surge diz apenas ao público de Jack e o Porquinho de Natal. A história é claramente para crianças pequenas, entre 8 e 10 anos, não fazendo muito sentido para os mais velhos – é de se imaginar que crianças a partir de 12 anos já achem o livro infantil demais. Só que, mesmo com essa delimitação bem clara da faixa etária, J. K. Rowling se empolgou na hora de escrever: são 320 páginas, um pouco demais para crianças.

Talvez há 14 anos, quando os livros não competiam em atenção com tablets e celulares, fosse mais fácil deixar os pequenos presos nas quase 300 páginas de Harry Potter e a Pedra Filosofal. Hoje, com tantas distrações ao redor, talvez seja um desafio e tanto para pais e responsáveis. Pelo menos, não dá para dizer que a narrativa não é convidativa, com tantos personagens interessantes, boas ilustrações e história cativante.

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