A parada naquele simpático café, ao lado do Parque Buenos Aires, no coração do bairro Higienópolis, em São Paulo, não foi programada. Mas, ainda assim, naquela tarde de setembro, ali estava Jair Naves, sentado em uma das mesas, a ouvir as músicas que estariam no seu segundo disco solo, Trovões a Me Atingir, lançado oficialmente nesta terça-feira, 3. Ali, sozinho, debruçava-se em busca de respostas para os vazios que ainda o incomodavam nos versos daquele disco. O processo de gravação tão coletivo – o trabalho com maior troca de experiências entre ele e os integrantes da banda, como garante Naves – é o oposto da solidão experimentada naquela angustiante corrida contra o tempo ou nas noites maldormidas.
Quase cinco meses depois, o mesmo Café Colón é sugerido por Jair Naves como ponto de encontro para o papo e sessão de fotos com a equipe de reportagem do jornal O Estado de S.Paulo. Sorridente e com 35 anos recém-completados, o músico sorri quase a todo momento, como se a sensação de dever cumprido, enfim, tivesse a permissão de existir. “Minha mãe mora por aqui. E, em um dia de folga das gravações, decidi parar aqui para tomar um café”, conta o músico, o artista revelação do prêmio APCA em 2013, uma semana antes do lançamento oficial do disco. “Como sempre, entrei no estúdio sem todas as músicas prontas. Naquele dia, aproveitei e fiquei aqui, sentado e escrevendo.”
O show de lançamento está previsto para o dia 27 deste mês no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, quatro semanas após Trovões a Me Atingir ganhar vida, após um processo de gestação que incluiu dois meses no estúdio El Rocha, em Perdizes, e um processo de financiamento coletivo que contou com o auxílio de mais de 300 apoiadores.
Foi o primeiro trabalho de Naves que contou com um crowdfunding e rendeu a ele uma situação inédita. Assim que divulgou a primeira música de trabalho, Prece Atendida, recebeu uma crítica negativa de um fã acostumado com o lado mais feroz do ex-líder da seminal banda de punk rock Ludovic. “Isso muda um pouco a relação entre músico e fã”, analisa ele. “Torna-se bilateral.” Naves lembra que todos aqueles que ajudaram a financiar o disco tiveram a oportunidade de ouvi-lo antes e que o fã crítico foi o primeiro a enviar um e-mail regado a elogios. “Fiquei feliz em ter o retorno dele. Até mesmo por isso, agora, estou mais bem-resolvido para falar sobre isso”, disse. “Como artista, prefiro não me repetir. Este é um disco mais cheio, com arranjos tão elab0rados quanto as letras.”
Todas as nove canções que compõe Trovões a Me Atingir, garante Naves, foram produzidas em um processo extremamente coletivo, no qual é possível identificar as digitais dos outros integrantes da banda, Renato Ribeiro (violão e guitarra) e Thiago Babalu (baterista), companheiros dele desde 2011, Felipe Faraco (teclado e sintetizador) e Rafael Findans (baixo). Um processo diferente da estreia solo, com o EP Araguari e o elogiado disco E Você Se Sente Numa Cela Escura, Planejando a Sua Fuga, Cavando o Chão Com as Próprias Unhas. “Nestes outros trabalhos, assim como no Ludovic, eu chegava no estúdio com as músicas prontas e passava nota por nota”, explica Naves. “Tenho um tom de voz que não é muito comum e uma abordagem como compositor que também não é muito normal. Queria tentar algo diferente já que meu primeiro disco autoral, o Servil, do Ludovic, completou 11 anos.”
A necessidade de mudança surgiu em outubro de 2013, quando Naves e banda decidiram gravar um single e o resultado foi muito similar ao ouvido no disco de estreia. “A gente precisava mudar, para ter alguma relevância, para despertar algo nas pessoas. Entre as novidades está também a inclusão de backing vocals no catálogo de Naves, com participações de Bárbara Eugenia, Camila Zamith (da brasiliense Sexy Fi) e Beto Mejia (Móveis Coloniais de Acaju). Bárbara canta quase sozinha B., a faixa mais delicada do trabalho, dedicada a ela, ao baterista da banda e defensor da canção, e “à menina que inspirou boa parte do disco, cujo nome também começa com a letra b”, explica Naves.
Trovões a Me Atingir é um reflexo da maturidade bem-vinda de um compositor visceral. Naves compreende que a evolução se faz necessária e ousa, como poucos poderiam esperar. Desde uma doce balada, como Prece Atendida, até o ruído punk de Em Concreto, é a poesia de versos complexos que marca a nova obra do músico outrora famoso pelas apresentações explosivas nos tempos de Ludovic, na década passada.
No processo coletivo que foi este disco, Naves nunca se mostrou tão só quanto nesta nova safra. “Se esse disco for mal-recebido, seria um dano à minha carreira, não à dos músicos”, diz ele. “É um disco sobre o que passava na minha cabeça quando ia dormir, mas não conseguia”, completa ele. Tudo gira em torno da solidão, seja num quarto ou num café escondido ao lado do parque. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.