Variedades

Jean-Paul Delfino analisa 40 Hits da MPB na França

Ex-quarto-zagueiro de futebol, o escritor francês Jean-Paul Delfino foi colega de Paulo César Caju e Jairzinho no time do Aix-en-Provence, em 1982. Ele era do time Sub-20. “Eles conheciam muito mais os night clubs da região do que o campo de jogo”, lembra, divertido, o autor. Mas foi nessa época que Delfino começou a nutrir vigorosa admiração pela cultura brasileira. Isso só aumentaria quando, jovem “foca” de jornalismo, recebeu a incumbência de entrevistar Baden Powell. Isso foi em 1985.

“Era para ser uma entrevista de 1 hora e eu fiquei 10 horas com ele”, contou o autor esta semana, no centro histórico de São Luís (onde iniciou pesquisa para um novo livro). Fascinado pelas histórias e pela música de Baden, foi a uma livraria de Paris para buscar saber mais sobre o artista. “Indicaram livros sobre o criador do escotismo, que tinha o mesmo nome dele.” Foi então que resolveu, ele mesmo, tentar explicar para os franceses o que era aquela música fabulosa que ouviu, e que o conquistou. Veio morar em Santa Tereza. Foi a Caetano Veloso, Gil, Nara, João Gilberto. Surgiram assim títulos como Brasil Bossa Nova (1988) e Brasil: A Música (1998), hoje clássicos em francês sobre a música brasileira.

O livro mais recente de Delfino, de 50 anos (também roteirista de cinema e TV), ainda não foi traduzido para o português. Em Couleurs Brasil – Petites et Grandes Histoires de la Musique Brésilienne (France Bleu/Le Passage), ele analisa e contextualiza 40 canções brasileiras que entraram para o imaginário da França e do mundo, de Tico-tico no Fubá, de Zequinha de Abreu, até Ai, Se Eu Te Pego, de Michel Teló. Delfino veio ao Brasil a convite do consulado francês em São Luís e da Aliança Francesa para lançar o livro e fazer uma palestra, e conversou com o jornal O Estado de S.Paulo.

Entre outras coisas, no pequeno volume de Couleurs Brasil, Delfino explica como músicas como O Que Será (1976), de Chico Buarque, receberam versões que suprimiram seu significado original. “Para não se arriscar na difícil arte da tradução”, Claude Nougaro tirou o sentido de indignação e revolta de O Que Será para dar à canção tão somente um escopo de declaração de amor.

O escritor também reconta como os produtores franceses Olivier Dorsac e Jean Karakos, se apropriando de uma música do grupo boliviano Los Kjarkas (Llorando se Fué) e misturando com alguns ritmos que ouviram no norte do Brasil (carimbó e merengue, por exemplo), criaram o megahit Lambada, do Kaoma, que ficou 27 semanas no hit parade do mundo todo. E de como perderam a ação por apropriação indébita e tiveram de desembolsar 6 milhões de francos de indenização.

“Analisei também o sucesso do Teló, mas sobretudo ressalto o que ele roubou, porque a música não é dele, ele se apropriou dela. Era uma música que umas meninas usavam para dançar.” Segundo afirma, esclarecer o contexto das composições foi uma preocupação central. Por exemplo: Fio Maravilha, de Jorge Ben, era cantada na França por Nicoletta, nos anos 1970. “Por causa disso, todo mundo na França tinha a certeza que aquela canção falava da favela, da miséria, de um pai que quis algo com sua filha, que a polícia chegou lá. Mas Benjor era flamenguista, é uma canção sobre futebol, sobre um craque efêmero.”

Sua educação sentimental no cancioneiro brasileiro foi iniciada há 30 anos, quando ele veio ao Rio para fazer sua pesquisa in loco. “Morei em Santa Tereza. Mas quando Santa Tereza era mais ou menos uma favela. Não aquele lugar de filhinhos de papai que é hoje”, lembrou.

Segundo o autor, o esforço de escrever sobre a música brasileira serviu para que ele próprio compreendesse melhor a sua paixão. “O livro Brasil Bossa Nova foi, para mim, o primeiro grito de revolta. A França, que foi o país de Lumière, o país da cultura, dos direitos humanos, não conhecia nada do Brasil. Se você fala com o povo, vão dizer que a capital do Brasil é Buenos Aires, é um desconhecimento muito grande. Conhecem o Pelé, o carnaval, os gays, a violência e as favelas, só isso.”

Foi sem falar nada de português que resolveu viver no Brasil. “O milagre aconteceu: entrevistei o Caetano, o Gil, fiz a última entrevista de Nara Leão, que viria a morrer alguns dias depois.” E até o papa da bossa nova ele encontrou. “Cheguei a ficar 7 horas escondido no prédio do João Gilberto, uma vez, dentro de um armário, esperando que ele saísse.” Não rolou. Mas, em 1991, 1992, Delfino foi a um concerto de João Gilberto, Caetano e João Bosco. “Quando João Gilberto parou de tocar, tentei ir ao backstage. O maestro tinha decidido que ninguém passaria, me barraram”, lembra. “Mas o Caetano estava lá e ele me chamou e disse: Vem aí, vou te apresentar o João!. Eu não acreditava. Estava sentado ali o João Gilberto, o último homem que havia inventado um ritmo musical internacional, a bossa nova. Bebia uma taça de champanhe, eram 2 horas da manhã. E o João: Você não é aquele Delfino que escreveu o Brasil Bossa Nova? Muito bom livro, parabéns. Tenho coisas para falar com você, ele disse.
Me levou à beira do mar e ficou falando longamente sobre tudo. Quando voltamos, ele se sentou de novo com o champanhe e me chamou: João Paulo, posso te pedir uma coisa?. Claro, eu disse. A entrevista que eu dei para você agora: nunca escreva nada disso, ok? Nunca escrevi”.

Posso ajudar?