O jornalista inglês Misha Glenny, que está na Flip lançando o livro O Dono do Morro, sobre Nem da Rocinha, acredita que a crise política e econômica no Brasil está causando um impacto muito ruim nas UPPs no Rio de Janeiro. “O sistema está colapsando”, disse em entrevista coletiva nesta quinta-feira, 30. “O corte de orçamento de segurança teve muito impacto. Tenho medo de que a situação depois dos Jogos Olímpicos ficará muito pior, não somente no morro, mas também no asfalto.”
Glenny entrevistou Nem – que foi líder do tráfico na Rocinha entre 2005 e 2011 – dez vezes, morou um par de meses na Rocinha e realizou outras dezenas de entrevistas com advogados, jornalistas, políticos, moradores do Rio, além de uma pesquisa documental extensa. “Estava buscando um assunto que pudesse explicar a complexidade do Brasil, e me pareceu que Nem poderia ser esse assunto”, justificou.
“Fiquei impressionado porque metade do Rio acreditava que ele foi um demônio, e a outra metade o considerava um herói, um tipo de Robin Hood”, comentou, em seu português claro. “Ele é um símbolo da desigualdade da sociedade brasileira e carioca, de como ela é dividida.” Misha está na programação oficial da Flip, quando fala nesta quinta-feira, 30, ao lado de Caco Barcellos, às 15h.
O livro também passa pela história do desenvolvimento das quadrilhas no Rio, bem como o impacto do negócio da cocaína na cidade. “O Brasil se tornou a rota principal de drogas entre a Colômbia e a Europa”, explicou Glenny. “Isso desenvolve o hábito local também.”
Questionado se a legalização de drogas mais leves, como a maconha, teria um impacto importante no combate à violência no Rio, ele se mostrou cético. “Seria uma passo adiante, mas só. Eles também vendem maconha, mas o Nem diz que é um pé no saco, porque pesa muito, dá pouco lucro e fede demais”, contou.
Outro personagem do livro do inglês é o secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame. “Ele me disse que, quando chegou à Secretaria, achou um escândalo a ausência do estado nas favelas por 50 anos.” Glenny considera as UPPs um experimento “muito corajoso e ousado”.
Para ele, a falha do estado em relação às UPPs foi a falta de cooperação entre as UPPs policiais e as UPPs sociais. “As UPPs fizeram diminuir os níveis de homicídio, mas os incidentes de roubo, extorsão, violência doméstica e até estupros subiram nas mesmas áreas”, lamentou.
Ele citou o caso Amarildo, na Rocinha. “Esse caso quase derrubou as UPPs. Isso mostra como esse projeto foi frágil. Especialmente agora, porque a crise no Brasil está tendo um impacto muito, muito ruim no sistema no RJ”, concluiu.