Na imprensa, há o conhecido bordão: “só os fatos falam”. Isto significa que o jornalista tem de deixar o fato brilhar integralmente no seu texto, sem distorcê-lo. Para conseguir isto, no entanto, enfrenta um desafio. O de alcançar uma visão sobre seu assunto, dentro da qual, cada dada colhido por ele preserve seu sentido próprio. O que, em última análise, importa em impedir que os dados obtidos passem a ter um sentido novo, dentro do contexto da visão alcançada por ele.
Será isto possível? Uma declaração, por exemplo, tem sentido autônomo? Ou, quando a colhe, o jornalista, a retira do seu contexto original, e, a insere num novo contexto, o do seu texto, no qual ela, necessariamente, terá sentido diferente? Exemplifiquemos: um político anuncia: “Vou construir 300 escolas”. Esta declaração vale, isoladamente? Ou seu sentido terá de ser buscado em vários contextos? O do orçamento administrado pelo político, o dos seus anúncios habituais, o das ambições eleitorais dele. Cada um destes contextos trará à mesma declaração um sentido diferente, de algum modo.
Na verdade, o risco de mudança de sentido de um dado – na passagem de seu contexto original, para o do texto jornalístico, – é permanente. E mais: a mudança pode ser tão brutal, a ponto de criar um problema ético. É o que ocorre, quando o entrevistado diz algo sigiloso, de passagem, em confiança ao jornalista, e, ele revela aquilo, no texto que publica, dando-lhe grande realce.
Mas, ainda que não adquira tanta dramaticidade, decorrente de falta de ética do jornalista, há sempre alguma mudança entre o sentido original de uma declaração e o sentido que ela adquire no texto publicado. Felizmente, em muitos casos, a mudança beneficia todo mundo – o entrevistado, o jornalista e o leitor.
Imaginemos um repórter que vá escrever sobre área da cidade afetada por todas as mazelas decorrentes da pobreza extrema: desemprego, criminalidade, violência doméstica, doenças, fome etc. E que, no contexto daquela realidade social dura e complexa, algum entrevistado mencione – apenas de modo causal -, uma pessoa que julgue importante para sua comunidade. O jornalista experiente não deixará passar em branco aquela informação ligeira. Ao contrário, a registrará em sua mente. E, com ela, irá em busca daquela pessoa, que, eventualmente, poderá terminar se revelando uma rica fonte de informações. Com o que, aparecerá no texto publicado, num lugar muito mais destacado do que na fala daquele primeiro entrevistado.
(Ilustração: A atriz Rosalind Russell, no filme “Jejum de Amor”, de 1940)