Em sua terceira passagem pelo Ministério da Cultura, o sociólogo Juca Ferreira vai querer se distanciar do ex-ministro Juca Ferreira. Ele diz que não quer se repetir, mas retomar o que estava embrionário. Sua intenção é mostrar uma nova maneira de abordar a questão da política cultural – e o seu discurso de posse foi um aceno do que pode ser essa perspectiva: conclamou as cooperativas e instituições da classe artística a participarem do governo por meio de um sistema moderno de deliberação online (um Gabinete Digital) e pregou ação “vigorosa” dos Conselhos de Cultura e das conferências artísticas.
“Não é voltar ao passado, o mundo mudou”, afirmou. “Mas recuperar alguns processos que estavam em um ponto embrionário.” Ele até usou a expressão “de volta para o futuro”, referindo-se a questões deixadas para trás em outras administrações. Citou ainda os Pontos de Cultura e a gestão da Cinemateca de São Paulo – pela qual foi acusado de ocultar os erros de ministros que o sucederam.
Ovacionado por mais de 600 artistas e produtores culturais ontem pela manhã em Brasília, no Teatro Funarte Plínio Marcos, Juca se fez acompanhar por 11 ministros e secretários de Estado do governo Dilma (incluindo o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante), para mostrar prestígio político. Quer que a Cultura ocupe lugar de interlocução privilegiada nas políticas de governo.
O único porém é que os velhos problemas parecem ter continuado lá, à sua espera: no momento em que discursava, um grupo de funcionários segurava à esquerda do palco uma faixa com os dizeres: “Servidores do Sistema MinC ameaçados de extinção. Em luta!”.
Segundo Juca Ferreira, “os caras que substituíram” a sua gestão no MinC o acusaram de “querer tratar de tudo”. Ele disse que a política cultural é “necessariamente abrangente e tem de tratar de tudo”. Todos os temas estiveram contemplados no seu discurso, no qual voltou a atacar o financiamento da cultura “por meio do departamento de marketing das empresas” – o que sinaliza para uma reforma ampla das leis de incentivo. Responsabilidades compartilhadas foi a expressão que usou. “Essa é a primeira vontade dele. E será o fim de um certo tipo de financiamento cultural. Um outro poderá nascer, mas será o fim de um”, disse Ricardo Ohtake, diretor do Instituto Tomie Ohtake, que se opõe às mudanças na lei: “Vamos ter de brigar”.
Além desse tema das leis, Ferreira abordou a necessidade de se conseguir aprovar a PEC da Cultura – proposta que prevê o repasse anual de 2% do orçamento federal, 1,5% do orçamento dos Estados e 1% do orçamento dos municípios, de receitas resultantes de impostos, para a cultura. E de se modernizar as leis autorais, que já não dão conta das novas exigências sociais, afirmou.
Ele falou de seu retorno ao governo, saudado por aclamação na solenidade que organizou. “Evidente que isso é um reflexo de tudo que foi feito no governo Lula”, disse. A maior parte dos artistas que estiveram no local, no entanto, espera de Juca mais continuidade do que ruptura. “A gente quer que ele retome as políticas que foram interrompidas, que conclua aquilo que o governo vinha fazendo até 2010”, disse o músico Loop B, vice-presidente da Cooperativa de Música de São Paulo.
O ministro, cercado pela imprensa o tempo todo, emocionou-se ao falar do legado dos negros africanos para a cultura brasileira, fez o elogio das diferenças culturais, das “aldeias indígenas e das lan houses, do futebol de várzea e do carnaval de rua”, e saiu-se com um manifesto de sua compreensão da arte: “A arte é aquilo que nos permite ver além, é o meio pelo qual atingimos a essência e a transcendência do humano”.
A cultura também deverá atentar para um novo e aberto diálogo internacional, preconizou o ministro. “Num momento em que o mundo vive uma situação dramática de radicalização de extremismos”, afirmou, “é preciso combater todas as formas de segregação cultural”. E completou: “Devemos receber com carinho a cultura dos outros países”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.