Julgamentos previstos para os próximos meses pelo Supremo Tribunal Federal (STF) têm potencial para virar munição nas eleições de 2022 e acirrar a disputa entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A participação ativa da Corte em discussões de impacto nacional, principalmente relacionadas à pandemia de covid-19, deve se intensificar no ano que vem. Na lista dos temas sobre os quais o Supremo vai se debruçar estão a retomada da análise do marco temporal para demarcações de terras indígenas, a taxação de grandes fortunas e a proibição da chamada "linguagem neutra" nas escolas.
Indicado por Bolsonaro, o novo ministro do STF, André Mendonça, toma posse na próxima quinta-feira, 16, em um cenário de conflito na Praça dos Três Poderes. A tensão voltou a rondar as relações entre o Palácio do Planalto e a Corte depois que o ministro Alexandre de Moraes abriu mais um inquérito para investigar Bolsonaro, desta vez por ele ter associado falsamente a vacina contra covid ao desenvolvimento da aids. Ainda nesta segunda-feira, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao STF que revogue esse pedido.
O ministro Luís Roberto Barroso determinou, por sua vez, que os viajantes apresentem passaporte de vacinação contra coronavírus para entrar no Brasil. Foi o que bastou para o presidente subir novamente o tom contra o chamado "ativismo político" do STF.
Bolsonaro conta com Mendonça para atrapalhar a vida de seus adversários na campanha de 2022. O novo ministro assumirá, por exemplo, a relatoria de uma ação pronta para ir a julgamento: a taxação de grandes fortunas. A pauta é cara ao PT. Lula costuma dizer que é preciso colocar "o pobre no orçamento e o rico no Imposto de Renda". Ciro Gomes (PDT) também cita o tema com frequência em seus discursos. O presidente, no entanto, rechaça a ideia. "Alguns querem que eu taxe grandes fortunas. É um crime, agora, ser rico no Brasil", ironizou ele.
O marco temporal para demarcações de terras indígenas é outro assunto que expõe as divergências entre petistas e bolsonaristas. Para ser votado em plenário, depende somente do presidente do Supremo, Luiz Fux. Em mais de uma ocasião, Bolsonaro disse ser a favor da tese de que indígenas só poderiam reivindicar um território caso ali estivessem quando a Constituição de 1988 foi promulgada. A delimitação, porém, é criticada por partidos de esquerda e defensores da causa indígena.
Alexandre de Moraes liberou a ação para ir a julgamento em outubro, após ter pedido mais tempo para análise do caso. Com a agenda cheia de outros temas importantes, Fux não definiu a data para a ação voltar a ser discutida, o que deve fazer com que as entidades interessadas o pressionem para incluir o processo na agenda de 2022.
<b>Calendário</b>
O gabinete de Fux já prepara o calendário de julgamentos do ano que vem. A ideia é ter a lista dos principais processos fechada até a próxima sexta-feira, último dia antes do recesso de fim de ano. Uma portaria editada pelo Ministério do Trabalho e Previdência, proibindo empresas de demitir empregados que se recusam a tomar vacina contra covid, também se transformou em cabo de guerra entre apoiadores de Bolsonaro, de Lula e do governador de São Paulo, João Doria (PSDB). O tucano transformou a vacina em um dos principais temas de sua campanha ao Planalto.
O ministro Kassio Nunes Marques, primeiro nome indicado ao STF pelo presidente, pediu que o julgamento do polêmico tema seja presencial. Para especialistas ouvidos pelo <b>Estadão/Broadcast</b>, a portaria fere a Constituição, uma vez que a saúde coletiva se sobrepõe ao direito individual.
Na pauta de costumes, o julgamento sobre o uso de linguagem neutra em materiais didáticos, salas de aulas e concursos públicos também promete ser assunto de campanha. A ação no STF tem como base o Estado de Rondônia, mas o veredicto pode acabar servindo como jurisprudência, para ser aplicado em outros locais. O processo começou a ser analisado no plenário virtual da Corte, na semana passada, mas Nunes Marques também solicitou que a votação fosse decidida presencialmente.
<b> Quadrilhão </b>
Há outras questões prestes a ser julgadas pelo Supremo, como a denúncia contra o "quadrilhão" do MDB no Senado, com impacto na disputa eleitoral. O partido lançou na semana passada a pré-candidatura da senadora Simone Tebet (MS) ao Planalto. O julgamento pode colocar no banco dos réus nomes de peso do MDB, como Renan Calheiros, Romero Jucá, Edison Lobão, Valdir Raupp e Jader Barbalho, acusados de receber propina oriunda de desvios em contratos da Petrobras durante o governo de Dilma Rousseff. Todos sempre negaram participação no esquema da Petrobrás.
O STF precisa decidir, ainda, os rumos do orçamento secreto, que se tornou um dos principais instrumentos de barganha usado pelo Planalto para sustentação do governo no Congresso. Caso seja levada a plenário, a manobra com emendas de relator tende a servir de munição contra Bolsonaro na corrida presidencial. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>