Júlio Andrade acredita na troca. Não é só o que ele, como ator, entrega para o personagem. É o que o personagem também lhe dá. “Sempre fui meio covarde pra essa coisa de sangue, e, em Sob Pressão, tenho de fazer cirurgias de peito aberto, em meio à maior sangueira. Tudo bem que eram bonecos, mas era tudo muito perfeito. Numa cena, tinha só um boneco para fazer o corte com o bisturi. Ia estragar tudo se falhasse. Fiz, e deu certo. Quase surtei.” Em Maresia, o desafio era o mar. “Fiz quase todo o filme dentro dágua. Foi uma energia incrível. O mar ficou comigo.”
O ator refere-se a dois de seus trabalhos recentes, poderia acrescentar outros dois. Redemoinho, de José Luiz Villamarim, terá sessão na Mostra de sexta, 28, a domingo, 30. Maresia, de Marcos Guttmann, passa no domingo. Sob Pressão, de Andrucha Waddington, e Maresia estreiam nas salas dia 17. Elis, de Hugo Prata, dia 24. Redemoinho, 22 de dezembro. Quatro filmes. Chega? Não. Júlio Andrade começa a gravar a nova temporada de 1 Contra Todos, de Breno Silveira. E Sob Pressão, que ainda nem estreou – mas passou no Festival do Rio e foi um dos filmes que lhe valeram o prêmio de melhor ator -, também vai virar série. Júlio consegue ser crítico de arte, pintor, pescador, médico/cirurgião, o que for preciso. Em Elis, vira Lennie Dale, o coreógrafo que criou para a cantora o impactante movimento de braços com que irrompeu na MPB com Arrastão, de Edu Lobo.
Muda de pele como camaleão, mas não é um ator de método como Irandhir Santos, seu extraordinário companheiro de elenco em Redemoinho. Irandhir concentra-se para entrar no personagem. Isola-se no set. Quando o diretor grita Ação!, Irandhir entra na cena tomado. Júlio Andrade acha bacana, respeita, mas seu método é outro. Nem ele sabe explicar direito. Um não método? Ele pode até estar brincando no set – zoando -, mas, quando ouve o Ação!, também está dentro. Tem muito de confiança nisso. Em Redemoinho, adaptado de Luiz Ruffato, trabalha com parceiros com quem tem aprimorado o contato na televisão. O diretor Villamarim, o codiretor e fotógrafo Walter Carvalho, o preparador Chico Accioly, de O Rebu e Justiça.
“O Zé (Villamarim) ouve muito, tem um jeito de tirar da gente o que quer sem que a gente se dê conta de que está entregando. E o Walter… Eu sinto o Walter respirando na minha nuca, com a câmera grudada no meu ombro. Quando estou no personagem, não gosto que me toquem, exceto se faz parte da cena. Quebra a energia. Já me estourei com diretor no set. Não me toca, cara!. Mas o Walter tem uma gentileza, uma maneira de colocar o dedo no ombro enquanto segura a câmera para me levar aonde quer. E ele faz isso sem invasão.”
Júlio Andrade conta tudo no quintal de casa, próximo ao Cemitério da Lapa, em São Paulo. Choveu muito, o vento derrubou árvores, caiu a força. A casa está há mais de 12 horas sem luz. Júlio está descalço, acaba de varrer o pátio. Mostra a oficina – seu avô era marceneiro e ele herdou o gosto, até algumas ferramentas. Mostra mesas, cadeiras, estantes que fez. Tudo por prazer, para relaxar. O filho – Joaquim – anda pelo quintal, brincando com o cachorro. “É uma raça que caça leões na Rodésia.” Chama-se Pessoa. Apesar do tamanho, é dócil. Encosta o carão no ombro do repórter. Dá uma lambida, como quem rouba um beijo.
“Quando filmamos o Redemoinho em Cataguases (Minas), Joaquim estava na barriga da mãe.” Agora, com um ano e oito meses, corre no pátio. O set de Redemoinho marcou-o. “O filme trata de conflitos muito fundos, de coisas escondidas. Poderia ser um clima pesado, mas estava todo mundo na paz.” E o Lennie Dale de Elis? “Não sou bailarino, tive ajuda para fazer o papel. O que precisava, consegui – uma atitude.” Tantos papéis, projetos. Júlio Andrade está em todas, o irmão (Ravel) desponta na Globo. Família abençoada para a representação. “Meu pai diz que ele é melhor que eu”, não há nenhum despeito, nenhum ressentimento na fala. Alegria. E tudo começou em Porto Alegre, com Betão (Beto Brant). Cão sem Dono, há dez anos. Tem sido uma bela trajetória.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.