Jussara Silveira tem gosto por mergulhos. Aconteceu em 2013, quando fez um disco inspirado em canções de Angola, Flor Bailarina; em 2011, quando tomou as composições do português Thiago Torres da Silva para fazer Água Lusa; e, antes ainda, em 1998, quando lançou Canções de Caymmi.
Nascida mineira em Nanuque, crescida baiana em Vitória da Conquista, Jussara sai da rota luso-africana sem fazer forças. Ela lança agora, com um show único nesta sexta, 15, às 21 h, no Teatro do Sesc Pompeia, o disco Pedras que Rolam, Objetos Luminosos. É seu encontro com dois nomes de uma das frentes mais definitivas na nova música que o Brasil ganhou a partir de 1972: Ronaldo Bastos e Beto Guedes.
É sobre a obra dos dois que o disco se fez. Seria apenas sobre a de Ronaldo Bastos, mas a lista com umas 40 canções pré-selecionadas teimava em trazer o nome de Beto ao lado do de Ronaldo a cada composição. “Decidimos então que seria um disco para os dois”, diz Jussara. A produção ficou com Marcelo Costa e Sacha Amback, que já haviam trabalhado com a cantora em projetos anteriores.
Ao repertório fechado em dez canções, incluindo Amor de Índio, Lumiar, A Página do Relâmpago Elétrico, Sol de Primavera e O Sal da Terra, Jussara vai incluir no show outras canções do mesmo período, como Cais, de Bastos e Milton Nascimento; O Medo de Amar é o Medo de Ser Livre, de Beto Guedes e Fernando Brant; e Um Girassol da Cor do Seu Cabelo, de Lô e Márcio Borges.
A linguagem dos mineiros, mais urbana e progressiva, já estava nas memórias afetivas de Jussara, dos tempos em que ela vivia a pós adolescência trabalhando como programadora na Rádio Educadora da Bahia, atendendo aos pedidos de ouvintes. “Os discos dos mineiros estavam bombando nesta época. Não havia um dia em que não pedissem Lumiar.”
Os caminhos se cruzaram quando Jussara pensou em fazer seu primeiro álbum, em 1997. O selo Dubas lhe deu abrigo e seu proprietário, Ronaldo Bastos, a produziu. A primeira grande aparição em São Paulo já havia acontecido em 1990, com uma apresentação no grande auditório do Masp, em São Paulo. Uma cantora que viesse da Bahia sem cantar axé em 1990 – quando Daniela Mercury explodiu com um show no mesmo Masp, mas no Vão Livre – não era considerada uma cantora da Bahia. “Começaram a dizer que eu era a baiana cool”, diz. E seria um erro pensar que ela não entendia de axé. Ao ouvi-la hoje, fica difícil imaginar que foi uma integrante da Banda Eva pelos meados dos anos 80.
O álbum dedicado aos esquineiros não faz grande interferência nos arranjos originais. É na voz delicada de Jussara que ele ganha frescor. Ao contrário das terras em que pisou com firmeza para fazer outros projetos, de narrativas mais acomodadas em início, meio e fim, a obra de Guedes e Bastos apresenta um mundo de incertezas. É como se suas músicas não terminassem jamais, como se fossem sempre o primeiro filme de uma trilogia, deixando pistas para a continuação. “É muito no espírito de vamos fazer um som. Sinto isso. São coisas difíceis de cantar, em seis por oito, compassos ternários, que nem sempre são percebidos pelo ouvinte.”
A voz de Jussara chega a um local específico que a leva de encontro a Gal Costa: o vibrato dos finais de frases. “Essa semelhança me dizem desde antes de eu gravar”, diz, rindo, orgulhosa.
SERVIÇO
Jussara Silveira.
Pedras Que Rolam, Objetos Luminosos Hoje, 15, 21h. Teatro do Sesc Pompeia.
Rua Clélia, 97. R$ 30